Bernardo Ferrão

Andamos nisto

Bernardo Ferrão

Costa, Rio e a Saúde. Era bom que trocassem umas ideias sobre o assunto

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O debate requentado sobre o posicionamento ideológico dos partidos acentuou-se com a entrada de Rui Rio em cena. Com a nova liderança do PSD andamos todos a falar sobre o Bloco Central, das suas qualidades e ameaças, mas acima de tudo tentamos adivinhar, ou antecipar, para onde vai o PSD de Rio e o que nos diz António Costa nas entrelinhas quando afirma, para Bloco e PCP ouvirem, que não precisa de nova companhia.

Mais para esquerda ou mais para a direita, é claro que o centrão moderado, onde se ganham eleições, é neste momento o fruto mais apetecido. Depois do Governo de Passos Coelho e dos anos de brasa da intervenção da troika, o país político dividiu-se ao meio e o centro ficou ao deus-dará. Entre a esquerda e a direita abriu-se uma ferida que só se cura com medidas concretas e políticas de consenso orientadas para a vida das pessoas.

Não posso deixar de subscrever Adolfo Mesquita Nunes, que no “Negócios” põe a questão no sítio certo. Mais do que andar a discutir se devem apontar à esquerda, direita ou ao centro, os partidos políticos têm de estar mais concentrados nas pessoas. Como podem andar a discutir ideologias e jogadas de xadrez quando a realidade nos convoca para problemas tão arrepiantes como os do Serviço Nacional de Saúde? As notícias de hoje, com base nos dados do portal do SNS, mostram que há quem espere quatro anos por uma consulta de urologia ou mais de dois para ser visto por um oftalmologista. Mais de metade dos hospitais em Portugal não cumpre os tempos de espera definidos por lei.

Poderia aqui elencar outras notícias com que todos os dias somos confrontados e que retratam bem a fragilidade dos hospitais públicos e a forma como os doentes são (des)tratados. Não por culpa de quem lá trabalha – na sua maioria excelentes profissionais engolidos pela máquina -, mas por um continuado desinvestimento público, que não é de agora, pela falta de estratégia e por uma política de cativações que está a debilitar o SNS. Não é possível continuar a disfarçar. O Estado não pode fazer isto aos seus cidadãos, sobretudo quando lhes exige tanto e nada perdoa.

A esquerda, pelo menos algumas das suas figuras, foi lesta em agarrar a bandeira do SNS propondo a revisão da lei de bases. O BE prometeu até fazer da recuperação dos serviços públicos a sua luta até às legislativas. Mas não sejamos cínicos, a esquerda partidária tem assinado por baixo os orçamentos que também estão na base desta fragilização dos serviços. É verdade que o problema vem de trás, mas também é verdade que se agravou nestes anos da chamada “geringonça”. A obsessão pelo défice e a falta de ambiente político para reformas ajudaram a ditar o atual estado de coisas.

Muito se tem discutido sobre a nova liderança do PSD e o que provocará no partido. É um facto que Rui Rio não tem a vida facilitada. Internamente não é consensual até porque não pode prometer vitórias em 2019 – anuncia aliás o seu contrário. Mas nem tudo é mau, na verdade Rio pode beneficiar do atual quadro político se se souber afirmar. Propondo e, desta forma, obrigando António Costa a sair debaixo da asa das esquerdas. A diferença essencial em relação a Passos é que Rio abre a página do diálogo e isso, mais do que enfraquecer, traz novas armas para o combate da direita.

Um líder novo só se afirma na ação, impondo-se como alternativa. Em vez de andar a discutir se é da esquerda da direita, do centro, do PPD ou do PSD, Rio tem de nos mostrar a sua agenda. Tem de nos falar do concreto. Pode começar pela Saúde, área em que António Costa e companhia têm feito poucochinho. O tempo de Rio já não é de retórica. Não basta ouvir do novo líder do PSD que o “regime está doente”. Agora que o relógio começou a contar, é preciso mostrar o caminho da cura convocando o primeiro-ministro e, desta forma, reabilitando o PSD como partido de poder. Só assim se verá o que cada um quer. Para a Saúde e para o país.