João Vieira Pereira

Opinião

João Vieira Pereira

A careca de Centeno

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Varoufakis, esse saudoso ministro das Finanças grego que gostava de se deleitar com as coisas boas da vida enquanto o seu país passava por uma das piores crises de sempre, marcou o ritmo. Diz ele que um vídeo de Mário Centeno parece “uma máquina de propaganda norte-coreana”. Todos os que acham que a troika foi o papão seguiram a sua batuta, e uma simples mensagem de felicitações à Grécia tornou-se alvo da ira e do ridículo.

Acusam o vídeo de Centeno de “lamentável” de “apagar o desastre que foi o programa de ajustamento” da Grécia, de “branqueamento”. E vão mais longe, dizem que o ministro das Finanças e Presidente do Eurogrupo mudou de posição. Parece que agora ele gosta de se colocar ao lado de quem defende a austeridade ou até de ter dois discursos, um para consumo interno, outro para agradar à Europa. Sim, o programa de ajustamento da Grécia foi um desastre, a começar pela forma como os políticos gregos durante muito tempo acharam que as exigências dos credores não eram para cumprir.

Mas Centeno pôs-se a jeito e Portugal caiu-lhe em cima. Ataque que de tão ridículo que é chega a ser hilariante. Desde o caso Robles que não dava uma gargalhada tão saborosa.

Primeiro porque este ataque a Centeno é na realidade uma defesa. O “Ronaldo das Finanças” afinal só é mago para consumo interno. E quem apoia Mário, ministro das Finanças, não quer ser visto como aliado de Centeno, o presidente do Eurogrupo. Por isso o melhor é atacá-lo de imediato para não os acusarem de apoiarem quem afinal representa uma estratégia europeia em cuja crítica basearam todo o discurso político.

Fingem-se indignados e surpreendidos com Centeno. A ingenuidade é gritante. Esperavam o quê? Que Centeno iria mudar a Europa de acordo com uns ideais em que nem Centeno acredita? Já se esqueceram que para grande parte do aparelho socialista o então putativo ministro das Finanças era um liberal, com ideias perigosas sobre o mercado de trabalho? É na pele de presidente do Eurogrupo que ele se sente mais confortável, pelo simples facto de ser a que lhe assenta melhor.

Quando Centeno aparece a felicitar a Grécia por ter, ao fim de oito anos, conseguido deixar para trás um programa de ajustamento muito difícil, não estamos a ver a careca de Centeno. Estamos a ver o Mário, o mesmo de sempre

Centeno está ser coerente. É a Europa que manda. Ele próprio provou desse veneno quando incauto e inexperiente apresentou em Bruxelas o seu primeiro Orçamento do Estado. Meteu a guitarra portuguesa no saco e tirou de lá a concertina alemã. Como metade de Portugal anda cego e outra metade não quer ver, vai-se acreditando que a austeridade acabou. Na realidade substituíram a austeridade do pensionista e do funcionário público pela austeridade do investimento em serviços e empresas públicas. A troca da austeridade do eleitor pela do Estado, que aos poucos vai caindo ao pedaços.

Se a Europa fixa a meta, já o caminho para lá chegar pouco importa. Para Bruxelas não interessa quem está a pagar a fatura desta nova austeridade. Desde que no fim as contas batam certo.

Assim quando Centeno aparece a felicitar a Grécia por ter, ao fim de oito anos, conseguido deixar para trás um programa de ajustamento muito difícil, não estamos a ver a careca de Centeno. Estamos a ver o Mário, o mesmo de sempre. O mesmo que foi preterido como diretor do departamento de estudos do Banco de Portugal, que acabou em ministro não se sabe bem como, que se revelou um sagaz técnico que cortou a direito no investimento público para controlar o défice, um dos responsáveis das Finanças a quem sorte (via baixas taxas de juro) mais sorriu, e que há três anos nunca teria ousado sonhar chegar a presidente do Eurogrupo, mas que hoje aparece em vídeos institucionais da União Europeia a felicitar 11 milhões de gregos por terem regressado ao estatuto de membros plenos da Zona Euro.

Foram vocês que o criaram, agora não vos fica bem desdenhá-lo.