Televisão

O Cão de Caça não é tão mau como pensa e Sam é mesmo fã da Guerra dos Tronos

Rory McCan/The Hound, John Bradley/Sam Tarley Fotos DR

Rory McCan/The Hound, John Bradley/Sam Tarley Fotos DR

Não faltam recordes à série mais mediática dos últimos anos. A sétima temporada (a penúltima) começa esta noite em Portugal (já passou na última madrugada nos Estados Unidos). Falámos em Londres com Sam Tarley, o fiel amigo de Jon Snow – que é como quem diz o ator inglês John Bradley – e com o violento capaz de alguns afetos Sandor ‘The Hound’ Clegane, interpretado pelo escocês de 1,98 metros Rory McCann

Texto João Tomé

A sétima temporada de A Guerra dos Tronos vai bater o recorde do Guinness de mais pessoas incendiadas ao mesmo tempo numa cena (cortesia dos dragões de Daenery). E já em setembro passado a série tinha batido outros dois recordes do Guinness: mais Emmys (os prémios da tv norte-americana) ganhos por uma série ficcional, e mais conquistados como série dramática (num total de 12 em 24 nomeações). Em 2015 superou o seu próprio recorde de pirataria online, com 1,5 milhões a descarregarem o último episódio da quinta temporada, em menos em oito horas.

Distinções e recordes à parte, falámos em Londres com Sam Tarley, o ator inglês John Bradley, que é um fã como nós e com Sandor ‘The Hound’ Clegane, interpretado pelo escocês de 1m98, Rory McCann, que prefere cortar árvores a seguir a série mais popular dos últimos anos.

Olá, chamo-me João, venho de Portugal.

Rory McCann – The Hound (RM) – Muitos parabéns. Ganharam a Eurovisão! Uma boa música a vencer, para variar. Finalmente.

Mas viu a cerimónia?

RB – Não, isso não é para mim. Vi um clip com a atuação, só isso. E gostei.

Na sua vida está habituado a fazer coisas que o The Hound faz na sexta temporada, como cortar madeira, não é?

RB – Sim, tanta. Eu saí da escola cedo e trabalhei como lenhador durante dois anos. Depois acabei por ir um ano para a Faculdade Florestal e tive um negócio de corte de árvores durante 10 anos. Cortei uma árvore no último fim de semana. Tenho três machados e quatro motosserras. Corto melhor árvores do que sou ator, isso é garantido.

Para si é rotina, portanto...

RB – Sim, não foi preciso representar na hora de cortar madeira, estava em casa.

Há um vídeo a circular, dos bastidores, em que mostra que falhou a cortar à primeira um bloco de madeira.

RM – Sim, ficou presa. Eu sei. É muito raro acontecer-me, tive de dizer ao tipo dos adereços que tinha de colocar cera de vela na espada, para não ficar preso. Pequenas coisas assim ajudam.

Já pensaram como vai ser, o que vai mudar nas vossas vidas, quando terminar a série?

RM – Sim, vai custar, claro.

John Bradley – Samwell Tarly (JB) – Foi o meu primeiro grande trabalho. Quando alguém sai de um trabalho destes, não só por ser tão grande, mas por ser tão bom. Nem tudo grande é bom, mas como temos algo tão popular quanto credível, sabemos que vamos ter dificuldades quando acabar e vai ser difícil comparar com aquilo que surgir depois. Acho que vai ser mais difícil para atores mais experientes, que já tinham uma carreira antes de Guerra dos Tronos, porque isto passa a ser só mais um bom trabalho. Mas eles sabem o que é ser ator sem Guerra dos Tronos, eu não sei o que é.

RM - Seu sacana mimado (risos). Tens tido sorte.

JB – Eu não sei o que é mas vou ter de me adaptar. De forma realística, temos de escolher entre fazer papéis mais pequenos em projetos maiores ou papéis mais relevantes em projetos mais pequenos. Eu diria que, como o tronos tem tantas personagens e mundos dentro dele, nós sentimos que todos somos protagonistas de alguma forma, mas somos só 10% da história e as outras partes são feitas por outros atores, noutros cenários. Por mais incrível que seja fazer parte disto, há uma parte de mim que está preparada para fazer um papel que esteja em todos os momentos na narrativa. É o próximo desafio para mim.

RM – Eu não tenho interesse nenhum nesse tipo de coisas, nem tenho objetivos de maior como ator. Tenho tentado desenterrar o meu barco, nos últimos dois anos, só quero “fuck off” e desaparecer. Ir à volta do mundo. Mas vamos ver, talvez surja um trabalho importante como ator, para me tirar desse plano. Vamos ver.

Reconhecem-no muitas vezes na rua já que o The Hound, na série, tem a cara desfigurada?

RM – Demasiadas vezes, sim. Sem dúvida. Vivo na Escócia e reconhecem-me nos últimos 20 anos, porque comecei a fazer publicidade a papas e no início lembravam-me constantemente disso. Agora é com a Guerra dos Tronos e passado este tempo todo continuo um sacana mal-humorado, e estou a tornar-me no The Hound. Não há um dia que passe que não haja alguém a dizer-me: “Tu és o The Hound”. E eu já disse isto tantas vezes na série e repito para quem me diz isso no dia a dia: “Fuck off” [diz em sussurro agressivo] (risos). Mas tenho de ser mais simpático.

Como The Hound não era o tipo mais simpático, mas houve algo que mudou e vemos um lado mais sentimental e afável nele...

RM – Sim, é verdade. Na sexta temporada ele encontrou um pouco de paz, naquele local religioso e podia ter continuado esse caminho, mas só durou uns episódios. Porque a violência apanhou-o e de repente ele já tem um machado nas mãos e está a distribuir machadadas. Foi um momento fugaz de paz para ele. Foi difícil ser simpático, quer dizer, não só difícil, foram só umas semanas de trabalho, ao lado do Ian McShane [ator britânico vencedor de Globo de Ouro]. Foi uma alegria, poder contracenar com ele. E de repente o The Hound está de volta e está a cortar cabeças. Fantástico, venham a mim.

Tem um episódio favorito na série?

RM – Teria de ser um dos primeiros, porque não vi os últimos episódios, não sei o que se passa. Já ouvi dizer que é mesmo muito bom e acredito. Escolhi não seguir a série, estou demasiado ocupado no campo.

JB – Apesar dos episódios incríveis que temos tido nos últimos tempos, alguns com recordes de batalhas mais elaboradas em séries, o meu episódio ainda é o nono da primeira temporada, com a decapitação do Ned Stark.

RM – Wow, é mesmo! Sem dúvida. Foi incrível, inédito.

JB – Aquele foi o momento em que o mundo percebeu: esta série é diferente. Há algumas convenções e regras que se aplicam em televisão, cinema e peças de teatro, onde por mais confuso que as coisas se tornem, temos um protagonista que diz: toma a minha mão e eu guio-te por esta história. O centro moral da série. E achamos que temos esse centro no Ned, a personagem a quem podemos recorrer, desde que ele estivesse lá tínhamos as fundações para navegar na série, e depois no nono episódio ele desaparece.

RM – Sacanas!

JB – E é morto. Pensamos: todas as apostas foram à vida. A partir dali ninguém estava salvo, porque a única pessoa que achávamos que ia ficar como foco principal da série é morta... E quando eles fazem isso, percebemos o quão imprevisível e volátil é este mundo e quão à vontade o George [R. R. Martin], o David [Benioff e o Dani [Weiss] vão jogar com as regras da televisão e a sua estrutura. A partir daí seríamos tolos em tentar prever seja o que for, porque eles já quebraram uma das regras mais fundamentais. Depois disso, sabemos que vamos voltar a ter o nosso coração partido, porque eles não se importam com essas regras.

RM – E nós ainda estamos vivos (risos)! Não somos muitos os que sobreviveram da primeira temporada. É incrível.

JB – A nível de expetativas é muito difícil de não ser surpreendido nesta série, porque têm-nos assustado tantas vezes, eliminando personagens de quem gostamos. O perigo está à espreita.

Quando o The Hound parecia estar morto na quinta temporada, disseram-vos logo que iam voltar e ele estava vivo?

RM – Não, nada disso. Não nos dizem nada, só no último minuto em que precisam mesmo de nós. E isso é igual todos os anos. Nunca sabemos o que se vai passar. Cruzamos os dedos na esperança que estejamos até ao final da temporada, e na seguinte. E depois recebemos a chamada, a informar, à última.

Mas fazem apostas de quem vai estar vivo no final?

RM – Sim, fizemos isso este ano. Quem é que vai sobreviver? Há sempre quem diga: tu estás fora no segundo episódio da nova temporada. Mas ninguém sabe. Nenhum ator sabe. Estamos desejosos de saber o que se vai passar na próxima temporada, mas não temos ideia. É uma surpresa todos os anos. É muito entusiasmante.

JB – E os atores são paranoicos com estas coisas, pensam muito e estão sempre a questionar-se. Quando o Sam chega ao fim da sexta temporada, à Cidadela, pensei que isso era ótimo para ele. Chegou finalmente a um lugar onde ele acha que pertence, mas também pensei que seria um bom sítio para terminar esta história. Seria um fim bom, terminar com alguém feliz e que não é morto. Se eles quiserem, ocasionalmente, terminar algo numa nota positiva, podiam fechar a minha história ali. Por isso, mesmo que não sejamos mortos, ainda ficamos paranoicos porque podemos não chegar à última temporada por outros motivos artísticos.

RM – É verdade. Mas o segredo é fundamental para eles. Há uns anos fizeram uma cara de barro, da minha cara, e eu pensei: ok, está feito, já morri. Aquilo é a minha cabeça decepada, ou assim. E eu perguntei se ia morrer. Eles responderam: logo te dizemos. “Oh, come on!!” Fiquei em pulgas.

O George R. R. Martin admitiu que a HBO podia explorar de outras formas o mundo dos livros. Gostariam de voltar a interpretar estas personagens, noutra fase das suas vidas?

RM – Eu gostaria se fosse antes dele ter a cara queimada e desfigurada. Seriam menos quatro horas de preparação antes de gravar uma cena. Um belo alívio. Mas tragam a ação e o machado! Mas nunca ouvi nada sobre essa possibilidade vindo das pessoas responsáveis pela série. Spin off ou não, acredito que podiam fazer isso com muitas destas histórias, porque são muito ricas. Só acredito quando o vir.

Como encarou a luta do The Hound com a Brienne, sendo tão brutal, violento e assustador?

RM – Estava a transbordar de alegria quando li aquele primeiro guião, era fantástico. Foi uma das melhores lutas que vi. Trabalhámos muito naquela coreografia e acho que ficou muito bem. Mas ainda estou a coxear dessas cenas (risos). Diverti-me a sério com a cena e com a Gwendoline [que faz da cavaleira Brienne of Tarth]. Adora-a e treinámos muito e depois fomos à Islândia para lutar. Todos os ingredientes estavam lá, foi uma alegria absoluta.

Já passaram por tantos cenários e locais diferentes, ao longo da série, de Kings Landing, no sul, ao mítico Norte, o que mais gostaram? Os cenários/locais ajudam a representar?

JB – Eu não posso vencer, de maneira nenhuma. Porque ou estou num extremo, na Islândia, a andar no que achamos ser o chão, mas são três metros de neve compacta, e a usar um fato que pesa muito mesmo, além do meu peso, claro, que também peso muito. O fato não é nada prático, não podemos mexer-nos bem com ele, e andamos na neve com os pés enterrados. Estamos um pouco quentes com tantas camadas de roupa em cima, mas não quente suficiente porque a cara está à mostra e a levar com vento gelado. É mesmo difícil. E só pensamos: estou desejoso de gravar em Espanha. E quando chegamos a Espanha, estamos com o mesmo fato pesado e está um calor impossível. Por isso, por mais deslumbrantes que estes locais sejam, a dificuldade do fato está sempre presente.

RM – Eu também tive dificuldades com armaduras pesadas. Mas metade da minha cara é latex, por isso, se for um dia quente, passadas duas horas estou a verter liquido para as minhas sobrancelhas. E se for na Islândia e estiver um frio de rachar, posso estar a suar umas horas e de repente torna-se em gelo, por baixo do latex. Só rezo, quando as gravações de uma temporada chegam, para que esteja vivo mas que as gravações sejam na rua e na Irlanda, porque não é tão frio como a Islândia, mas eu com o calor é que não posso. Adoro o frio. Deram-nos pela primeira vez este ano, fatos com refrigeração, o que foi bom. Há uns tubos, por onde passa água fria, para não suarmos. Sou um tipo grande, a andar de armadura por ali, e tenho um pequeno saco para isso da água, o que é estranho, mas sabe bem.

JB – Temos a sorte da série ter os recursos que tem, para que possam coloca-los nos ambientes onde as nossas personagens vivem. Não temos de imaginar como seria estar além do Muro, quando estamos com -35 graus, na Islândia. Sentimos isso na pele e isso coloca-nos bem perto da experiência da personagem. O mesmo acontece quando alguém que vive no Norte, na série, vai para o sul. É uma experiência nova para a personagem. Nunca sentiram calor assim, e podemos jogar com isso porque estamos em locais reais. Podemos viver as sensações diferentes e o ambiente.

RM – Houve um problema quando gravámos recentemente. Estávamos num cenário na Irlanda e estava frio, mas não havia neve. E tiveram de colocar duas ventoinhas muito brancas, a atirar neve falsa para a nossa cara, mal se ouvia o que dizíamos. Seis meses depois vamos a um estúdio em Londres, e tivemos de dobrar o que estávamos a dizer. Isso foi uma luta.

Quem vai ganhar a Guerra dos Tronos, no final, têm palpites?

RM – O Hodor ainda está vivo? Eu não sei, não faço ideia. A nós ninguém diz nada (risos).