UM HERÓI PORTUGUÊS

“Mãe, há um atentado, eu estou bem e tenho de desligar para salvar uma pessoa”

Carlos Pinto, 33 anos, é enfermeiro em Londres

Carlos Pinto, 33 anos, é enfermeiro em Londres

O enfermeiro português Carlos Pinto salvou uma norte-americana no atentado terrorista de junho em Londres e por isso recebeu, esta quinta-feira, a medalha de Mérito grau ouro da Câmara Municipal de Vila Real, cidade onde nasceu e cresceu. Falámos com ele: “Só fiz o meu papel de cidadão. Tem também que ver com a educação que me foi dada”

Texto André Manuel Correia

Um enfermeiro português trabalha em Londres há mais de três anos. Até aqui, nada de novo, pois essa é uma condição partilhada por muitos profissionais de enfermagem do nosso país. Mas a história de Carlos Pinto, 33 anos, pouco ou nada tem de comum, quando no passado dia 3 de junho um episódio veio marcar profundamente a sua vida – e de todos aqueles que o rodeavam. A noite de sábado estava tranquila nos arredores da capital do Reino Unido, quando Carlos jantava na companhia de três amigos num restaurante mexicano (El Pastor), até a acalmia ser interrompida. As conversas amenas deram lugar aos gritos e, do exterior, chegavam sons de disparos. Ninguém conseguia compreender ao certo o sucedido, mas o medo instalava-se. Um homem irrompeu no interior do espaço, munido com uma faca, enquanto gritava palavras incompreensíveis. Carlos não teve tempo para fugir. Conseguiu apenas esconder-se no fundo do restaurante, onde viu uma jovem esfaqueada a esvair-se em sangue.

“Estávamos sentados numa das primeiras mesas junto à entrada. Pouco tempo depois, começámos a ouvir um barulho. Inicialmente, não liguei, pensei que fosse uma discussão banal”, recorda o enfermeiro português, que trabalha na unidade de cuidados intensivos do estabelecimento privado The Wellington Hospital. Mas os gritos não cessavam. “Quando olhei, vi uma pessoa com uma faca na mão. Não consegui perceber uma única palavra do que dizia. Começou a atacar as pessoas. Só tivemos tempo de ir para o fundo do restaurante. A minha primeira reação foi dizer que era enfermeiro e perguntar quem é que precisava de ajuda”, conta Carlos Pinto, em entrevista ao Expresso.

Uma jovem de 17 anos, norte-americana, estava a sangrar da região torácica. A ferida era muito profunda e já tinha perdido bastante sangue. “Atirei-me por cima das mesas e fiquei ao lado dela. A partir daí, foi estancar a hemorragia e tentar controlar-lhe a respiração, porque estava bastante ansiosa. Coloquei-a numa posição que fosse confortável para ela e também para eu poder trabalhar”, explica o técnico de saúde que contou com a ajuda de uma amiga, também ela enfermeira.

Carlos revela que sentiu medo, mas conseguiu fintar o desespero. “Não entrei em pânico. Mesmo com os sons dos disparos, consegui estar concentrado e alerta”, assegura.

Durante as 2h30 em que ali estiveram retidos no restaurante El Pastor, Carlos foi incansável nos cuidados que prestou à jovem que se manteve sempre consciente. “Íamos fazendo-lhe perguntas simples”, ao mesmo tempo que elevavam as pernas da vítima para garantir que o fluxo sanguíneo chegava aos órgãos principais.

“Quando comecei a prestar os primeiros socorros, o terrorista ainda lá estava. Começaram a atirar-lhe tudo e mais alguma coisa para o conseguir pôr dali para fora”, relembra o enfermeiro de 33 anos. “Se ele tivesse uma bomba, não estaria, com certeza, agora aqui a dar esta entrevista”, acrescenta.

No interior do restaurante, com todos os gritos em seu redor e preocupado em salvar a vida daquela jovem, Carlos Pinto teve apenas tempo de ligar para a mãe. “Eu sei que ela é uma pessoa muito racional e que iria manter-se calma. Expliquei-lhe, muito rapidamente, que estava a ocorrer um atentado terrorista em Londres, disse-lhe que eu estava no meio daquilo tudo, que estava bem e que não podia estar mais tempo ao telefone porque estava a salvar uma jovem que tinha sido esfaqueada”, recorda o enfermeiro, que só no dia seguinte voltou a falar com a família, mais calmamente, para os tranquilizar.

Carlos saiu ileso e a jovem norte-americana encontra-se atualmente perfeitamente reabilitada. Muitos consideram-no um herói, mas o próprio rejeita esse rótulo, pois diz que apenas agiu por instinto, por achar que “devia fazer tudo aquilo que pudesse”.

“Atuei sem pensar. Foi tudo muito rápido e acho que, pela minha maneira de ser, iria sempre agir daquela forma. Só fiz o meu papel de cidadão. Tem também a ver com a educação que me foi dada e talvez por ser do Norte, onde há muito esse espírito de entreajuda”, sustenta o enfermeiro, que esta quinta-feira, pelas 17h30, será agraciado com a medalha de Mérito grau ouro por parte da Câmara Municipal de Vila Real, cidade onde nasceu e cresceu. “Foi uma surpresa. Nem tinha a noção do valor de uma medalha de Mérito, tanto que no início até estava a pensar não aceitar. Disse que nem valia a pena, mas explicaram-me que a medalha seria entregue a mim ou, se eu não pudesse estar presente, a fariam chegar até mim”, explica em conversa telefónica com o Expresso.

“Eu entendo que as pessoas me chamem de herói, mas eu não o sinto de todo”, apressa-se a dizer. “Muitos dos meus colegas dizem que não teriam conseguido fazer aquilo, quando eu lhes peço para não me chamarem de herói. E eles dizem-me que talvez não tivessem conseguido fazer o que eu fiz e que provavelmente teriam fugido”, conta o enfermeiro vila-realense.

Atualmente, aquele dia ainda permanece bem presente na memória. É impossível esquecer, mas Carlos tenta “levar a vida da forma mais natural possível”. Esquecer, contudo, é complicado. “Qualquer grito ou barulho na rua me faz recordar e ficar alerta para o que se está a passar. Mas no Reino Unido, infelizmente, estes ataques já começam a ser recorrentes. Temos de continuar a trabalhar e a ter uma vida social”, afirma.

Na passada terça-feira até regressou ao El Pastor. “Disseram-me que na véspera a jovem esteve no restaurante a agradecer todo o apoio que lhe foi dado e a pedir o meu contacto. Ficou apalavrado um almoço para o próximo domingo”, conta, feliz, uma vez que ter salvado aquela jovem foi a medalha mais importante de todas.

O ataque terrorista ocorrido há pouco mais de um mês, com um atropelamento na London Bridge, apunhalamentos em Borough Market e um incidente em Vauxhall, provocou a morte de sete pessoas e aproximadamente 50 feridos.