EUA

Donald Trump é o grande, o maior, o mais extraordinário… perigo para os Republicanos

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Se o milionário insistir nas suas ambições políticas e não parar com as afirmações escandalosas, será difícil tirar a vitória a Hillary

TEXTO LUÍS M. FARIA

Toda a publicidade é boa publicidade? Donald Trump vai ter ocasião de pôr à prova esse velho aforismo. O milionário americano já era conhecido pelo exibicionismo (afixando o seu nome em letras grandes na frente das suas torres e casinos), pela gabarolice (sempre o edifício maior, o mais rico, o mais luxuoso), pelo mau gosto (todos aqueles mármores e dourados, aquele grotesco bouffant a disfarçar a calvície...), pelo exagero (avaliando-se a si mesmo, em termos financeiros, o dobro ou o triplo acima da realidade). Também não era estranho a polémicas políticas, sobretudo desde que resolveu atacar Barack Obama, de quem dizia não ter nascido no país cuja presidência ocupava. Em 2011, após anos de assédio persistente por parte de gente como Trump, Obama publicou a versão longa da sua certidão de nascimento, o que foi um bocado humilhante, mas pelo menos teve o mérito de pôr a ridículo o milionário. Mas este só ficou intimidado temporariamente. Agora decidiu avançar outro nível. Deixou de ser apenas um empresário de construção e uma estrela de televisão para se tornar oficialmente candidato à presidência dos Estados Unidos.

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Trump junta-se a um campo republicano onde já existem pelo menos dezasseis candidatos oficiais – fora um sem-número de zés-ninguém – sem que nenhum deles se tenha destacado. O alegado favoritismo de Jeb Bush, antigo governador da Flórida e filho e irmão de dois recentes presidentes, não se tem refletido nas sondagens. No próximo mês, a Fox News vai acolher um debate sobre os dez melhor colocados nas sondagens, e Trump parece ter lugar garantido, a não ser que algo inesperado aconteça, ou as regras sejam alteradas. A Fox ainda tentou exclui-lo mediante o estratagema de exigir declarações financeiras aos candidatos. Pensavam que Trump podia ter motivos fortes para não se sujeitar a isso. Mas ele apresentou a sua declaração, obviamente inflacionando o seu valor provável. Muita gente no Partido Republicano está preocupada com os efeitos que a sua candidatura pode ter, ao empurrar os candidatos num sentido cada vez mais hostil a grupos sociais que são cada vez mais necessários para vencer eleições no país. Em especial, hispânicos e negros.

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Hostilizar os hispânicos. Para quê?

Em relação aos primeiros, não há grande possibilidade de os republicanos, a curto ou médio prazo, conseguirem alterar o desequilíbrio eleitoral largamente favorável aos democratas. Mas com os hispânicos a história é diferente. Muitos deles são socialmente conservadores e apreciam a filosofia republicana de impostos baixos; ou não fossem, em tantos casos, proprietários de pequenos negócios. Reagan dizia que no fundo eram republicanos, mas ainda não sabiam. Mas o partido de Lincoln na sua versão atual faz o que pode para os hostilizar. Mesmo depois de as presidenciais anteriores provarem o risco de falar com desprezo dos emigrantes ilegais hispânicos – foi uma das causas da derrota clamorosa de Mitt Romney – os candidatos republicanos continuam a digladiar-se para ver quem consegue dizer pior deles. Trump nesse capítulo é o vencedor incontestado. Há semanas, falou dos mexicanos que entram ilegalmente nos EUA como violadores e traficantes de droga. Embora também haja entre eles algumas pessoas decentes, reconheceu.

É o tipo de afirmação racista que um político norte-americano dificilmente pode fazer se quiser manter a sua viabilidade dentro do sistema. Mas Trump subiu nas sondagens. Talvez encorajado por isso, a seguir criticou o senador John McCain por se ter deixado fazer prisioneiro durante a guerra do Vietname. McCain foi torturado durante o seu longo cativeiro, e ainda hoje não consegue levantar os braços acima dos ombros. Mas Trump negou que o senador tivesse sido um herói (embora ele próprio tivesse escapado à guerra mediante sucessivos adiamentos, o último do qual por causa de um problema num pé que ele diz nem se lembrar qual era…) e disse preferir as pessoas “que não se deixam apanhar”. A reação indignada de muita gente, republicanos incluídos, não o levou a pedir desculpa.

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Vencedores e perdedores

No fundo, é coerente. Trump nasceu menino rico, e toda a vida teve uma atitude de dividir as pessoas entre os vencedores e os perdedores (“loser” é o seu insulto favorito). O seu pai, Fred Trump, era um construtor bem sucedido. Após uma juventude indisciplinada que a escola militar curou, Trump estudou economia e entrou para o negócio da família. Em 1980, a conversão do velho hotel Commodore no Grand Hyatt, junto à estação Grand Central em Manhattan, deu-lhe visibilidade pública. Seguiu-se a construção da Trump Tower, símbolo máximo dos anos 80, com a sua abundância de mármore e água a cair de dezenas de metros no átrio. A partir daí a carreira de Trump incluiu mais torres em Nova Iorque e pela América fora, casinos, campos de golfe, concursos de beleza, o World Trade Center… Incluiu igualmente uma ameaça de bancarrota no início dos anos 90 cuja solução deixou os credores a arder em centenas de milhões de dólares. E por último, há as modelos. O casamento inicial com Ivana Trump, nascida Zelnícková, deu lugar ao segundo com Marla Maples (“Best Sex I’ve Ever Had”, gabou-o ela num tabloide) e depois com Melania Knauss, eslovena. O primeiro divórcio foi o mais falado, mas o segundo teve a curiosidade de Trump admitir que tinha motivações económicas. Mais um ano de casamento e Marla ficaria com direito a uma percentagem da sua fortuna.

Também há quem diga que isso foi uma desculpa para o milionário não admitir que a mulher andava a enganá-lo. Mas de Trump nunca se deve esperar a verdade absoluta. Mesmo como empresário, ele sempre foi um homem do espetáculo, alguém para quem a atenção pública é parte de um jogo lucrativo. Quando foi protagonista do reality-show The Apprentice, essas características surgiram de forma muito direta. E agora que várias organizações de media cortaram relações com ele devido às suas afirmações sobre hispânicos, resta-lhe o jogo da política.

Para o Partido Republicano, o dilema é evidente. Se deixam que Trump e as suas posições inadmissíveis definam o Partido, podem vir a ser marginalizados. Se se demarcam agressivamente dele, correm o risco de Trump optar por concorrer às presidenciais como independente. Talvez ecoando o que sucedeu em 1992, quando a candidatura do bilionário Ross Perot dividiu o eleitorado conservador e garantiu a vitória do democrata Bill Clinton. Era irónico que a história se repetisse a favor de um candidato democrata com o mesmo nome de família.