Martim Silva

Opinião

Martim Silva

O perigo tem um nome. Chama-se Salvini. Matteo Salvini

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O momento decisivo aconteceu em 2013. A Liga Norte teve apenas 4 por cento dos votos numas eleições nacionais, e com o país mergulhado em recessão e a sofrer os efeitos da crise das dívidas, Matteo Salvini deu o passo em frente e tomou conta do partido. Mudou o discurso, deixou cair o 'Norte' do nome mas manteve a tónica no ódio. Só que a partir daí o ódio já não era canalizado para o sul (que fazia parte da narrativa tradicional do movimento) mas para a Europa.

Cinco anos depois, e embora a Liga não tenha ganho as eleições de Março e o seu líder não vá ser primeiro-ministro nem presidente de Itália, Salvini, milanês de 45 anos oriundo da classe média, é a figura chave da nova geografia política italiana. A sua ascensão, e daquilo que representa, é novo sobressalto para a União Europeia.

A força que lidera conseguiu 18 por cento dos votos italianos mas um peso político que a tornou decisiva no desbloquear do impasse governativo.

A aliança entre populistas anti-partidos e nacionalistas de direita (de cariz xenófobo) confirmou-se no final da semana passada. Luigi Di Maio, lider do 5 Estrelas e Matteo Salvini, da Liga, conseguiram desbloquear os nós de dois meses de conversações e firmar um acordo. Deixaram cair parte das propostas iniciais, como a saída do Euro ou o perdão de parte (250 mil milhões) da monstruosa dívida italiana, mas mantém muito que justifica preocupação.

A subida dos movimentos populistas na Europa, com fenómenos um pouco por todo o lado, de Espanha a França, do Reino Unido à Alemanha, da Dinamarca à Finlândia, conhece um novo patamar na Europa Ocidental com o acordo para a governação de Itália.

Um acordo que atira o perigoso Salvini para a primeira linha da terceira maior economia da Europa.

O novo governo italiano deverá ter como primeiro-ministro um professor de Florença próximo do Movimento 5 Estrelas e como ministro das Finanças o diretor do Banco de Itália. Mas o poder está nas mãos de dois homens, Di Maio e Salvini, que vão ocupar respetivamente as pastas da Economia/Trabalho e o Ministério do Interior.

O homem que defende a expulsão maciça de imigrantes vindos do norte de África vai ter a pasta que lhe dá o controlo e o poder sobre as polícias. Colocar a raposa dentro do galinheiro é o mínimo que se pode dizer.

Como tantas vezes acontece, o protagonismo acaba por ir para a força mais pequena. Salvini é líder de um partido que capitalizou como nenhum outro o discurso de descontentamento face à imigração. Nas sondagens não pára de subir: desde as eleições de Março a intenção de voto na Liga já ultrapassou os vinte por cento.

Hoje, a nova aliança é apresentada formalmente ao presidente italiano, Sergio Mattarella. O 21 de Maio de 2018 pode ficar marcado na história europeia como o dia em que o processo de construção europeu sofreu novo e decisivo revés.

Mascarado de projeto resistente às ‘ordens’ de Bruxelas e implacável no combate à corrupção, a aliança populista esconde muito mais que isso. Entre as ideias chave do novo poder em Itália estão por exemplo uma maior simpatia e compreensão para com o regime russo de Vladimir Putin; a expulsão em massa de imigrantes; e o virar de costas à Europa.

Além disso, as medidas orçamentais já pré-anunciadas (com cortes de impostos e aumento de despesa que podem chegar ao astronómico total de cerca de 100 mil milhões) fazem antever uma enorme pressão sobre o défice de um país que é tão-só a terceira maior economia da União Europeia e um dos que tem a maior dívida pública. A turbulência nos mercados já se começou a sentir, com os juros italianos a subirem.

“Os italianos primeiro”, grita Salvini no twitter, em resposta às críticas, replicando os comportamentos e práticas de Trump. Já na próxima quinta-feira, os ministros das Finanças da UE estarão juntos. Boa altura para se começar a perceber como consegue a Europa reagir. Se é que consegue.

Este caso representa a subida (ou descida) de mais um patamar na Europa.

A influência dos partidos, medidas e políticos populistas e nacionalistas noutros governos europeus já é notada há anos, mas uma experiência como a italiana ainda nunca tinha sido ensaiada e é potencialmente explosiva: um partido é anti-sistema, populista e quebrou a tradicional dicotomia esquerda/direita; o outro, nacionalista, populista, xenófobo e de extrema-direita.

Como escrevia no Público Jorge Almeida Fernandes, citando Francesco Cancellato, a Itália prepara-se para ter o governo "mais à direita e mais nacionalista, securitário, xenófobo e identitário desde 1945".

Juntos num caldeirão já escaldante, estes ingredientes não têm como deixar ninguém sossegado. A cortina da xenofobia que alastra na Europa está cada vez mais ao virar da esquina.