Crime
Máfia de Braga: máximo castigo para um crime macabro
Chegada dos sete arguidos ao tribunal, esta quarta-feira Foto Lusa
Seis dos sete acusados da morte do empresário de Braga João Paulo Fernandes foram condenados esta quarta-feira a pena máxima de 25 anos de prisão. Sequestrado em Lamaçães a 11 de março de 2016, o empresário foi morto e dissolvido em ácido sulfúrico num armazém em Baguim do Monte. O juiz presidente do caso afirmou que longe vai o tempo em que sem cadáver não há crime
Texto Isabel Paulo
A 11 de março do ano passado, passava pouco das 20h30, quando João Paulo Fernandes foi abordado por dois homens encapuzados em frente à garagem do apartamento da ex-mulher, em Lamaçães, Braga. A residir em Bordéus, de visita à família, o empresário de Braga, de 41 anos, foi agredido e forçado a entrar num Mercedes sob o olhar aterrorizado da filha, então com oito anos, única testemunha de um crime de contornos macabros que só viria a ser descoberto dois meses depois.
Raptado e transportado para um armazém em Valongo, foi morto por estrangulamento e o seu corpo dissolvido em 500 litros de ácido sulfúrico noutro armazém, situado em Baguim do Monte, Gondomar, a mando do advogado Pedro Grancho Bourbon e executado no terreno pelo amigo de infância Emanuel Paulino, ervanário de profissão, conhecido por 'Bruxo da Areosa'.
O crime premeditado entre os três irmãos Bourbon - Pedro, Manuel (também advogado em Braga) e Adolfo, economista e benjamim da família -, Paulino e os amigos Rafael Silva, Hélder Moreira e Filipe Monteiro foi planeado de forma a não deixar rasto, por ausência do corpo do delito.
Apanhado em escutas telefónicas e vigiados pela Polícia Judiciária, o 'gang dos sete' acabou detido após buscas simultâneas em maio do ano passado, bem como os autores secundários do plano, urdido durante semanas, Filipe Leitão, compadre do 'Bruxo da Areosa' e funcionário do stand onde foi roubada a viatura do rapto, e Nuno Lourenço, advogado indiciado por falsificação de documentos. Foram os únicos arguidos que escaparam à prisão preventiva.
Foto Lusa
Esta quarta-feira, um ano e nove meses depois do crime que deixou em choque a família de João Paulo Fernandes, Pedro Bourbon, Manuel Paulino, Manuel e Adolfo Bourbon (irmãos do mentor do homicídio), Rafael Silva e Hélder Moreira foram condenados a pena máxima de prisão pelo coletivo de juízes do tribunal de São João Novo, no Porto. Luís Monteiro, outro dos arguidos em prisão preventiva, foi punido com cinco anos de prisão com pena suspensa, tal como outros dois envolvidos secundários.
Pedro Bourbon e os restantes cinco castigados a 25 anos de prisão nunca confessaram o crime, tendo sido condenados por convicção do tribunal e pela conjugação de provas testemunhais e escutas, além de indícios materiais.
Os principais arguidos estavam acusados dos crimes de associação criminosa, sequestro e homicídio qualificado, profanação de cadáver, incêndio, falsificação de documentos e destruição de provas.
Trama económica na origem do crime
De acordo com a acusação do Ministério Público, os três irmãos Bourbon e amigos, “organizaram-se entre si, criando uma estrutura humana e logística, com o propósito de sequestrar um empresário de Braga, de o matar e eliminar o seu cadáver”.
No julgamento ficou provado que o advogado bracarense Pedro Bourbon, 42 anos, estava no sul do país, mas atuou enquanto autor moral do crime. O restante grupo agiu como executante do conluio para fazer desaparecer o empresário, que reivindicava a Pedro Bourbon, ex-representante legal do pai, dois milhões de euros desviados num esquema fraudulento à família.
Advogado de confiança de João Paulo Fernandes, Pedro fora o mentor da criação de uma empresa-cofre, a Monahome, para ocultar o património e arresto dos credores da Sociedade de Construções Fernando, insolvente. Na empresa fictícia, o advogado escondeu imóveis de Fernando Martins Fernandes, que antes do rapto do filho apresentara queixa ao Ministério Público por ter ficado sem os bens e sem o valor da venda dos mesmos, estimados em cerca de €2 milhões.
No âmbito da investigação, o Gabinete de Recuperação de Ativos da PJ arrestou e apreendeu ativos no valor aproximado de €1 milhão em aplicações financeiras colocadas em instituições bancárias e património imobiliário na titularidade dos visados. Segundo o MP, o grupo pretendia impedir a reversão do património dos pais da vítima, controlado pela sociedade criada por Pedro Bourbon.
Apesar do arquivamento da queixa-crime em 2005, um processo de recuperação de imóveis permaneceu em aberto no Tribunal Cível de Braga, reclamando João Paulo Fernandes aos irmãos Bourbon, além da reversão do património da família, cerca de €700 mil da sua empresa de climatização, Climalit, falida em 2013.
Ao que o Expresso apurou junto de fonte do processo, João Paulo, na altura com negócios em Bordéus, avisara o seu ex-advogado que não se iria calar sobre o desvio da fortuna do pai. A ameaça custou-lhe a vida.
Depois de presos, exceção feita a Pedro Bourbon, que negou todas as acusações no primeiro interrogatório judicial, os outros seis detidos optaram numa primeira fase por manter durante meses um pacto de silêncio. A ligação de Pedro a Emanuel Paulino remonta à infância, tendo-se revelado particularmente próxima ao longo do julgamento.
Numa das escutas, Paulino foi apanhado a fazer juras de amor e proteção eterna ao amigo, fidelidade quebrada pelo mentor do crime. Na fase de instrução, por duas vezes Pedro Bourbon culpou o amigo e os irmãos da autoria do homicídio, depoimentos invalidados por questões processuais.
Os pais da vítima, em nome da família e da filha menor, que necessitou de acompanhamento psicológico e foi ouvida por videoconferência no julgamento, avançaram com pedidos de indemnização superiores a €1 milhão.
Os advogados de todos os punidos com penas máximas vão recorrer da sentença. O grupo terá de pagar quase meio milhão de euros à filha da vítima, 80 mil euros aos pais e 10 mil à ex-mulher.