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Mais idosos, idosos mais velhos e jovens mais velhos: o triplo envelhecimento chegou

Foto Getty

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Cada mulher tem em média apenas metade dos filhos que tinha há trinta anos, as crianças portuguesas têm mães cada vez mais velhas e metade delas nunca terá irmãos

Texto Christiana Martins

É possível, sendo velho, ficar mais velho? E sem deixar de se ser jovem, tornar-se demasiado velho? É e está a acontecer em Portugal, a par de um facto genericamente conhecido: há cada vez mais idosos no país. Tudo somado resulta no conceito “triplo envelhecimento”, que faz parte do livro “Envelhecimento e políticas de saúde”, que é apresentado na próxima semana em Lisboa.

A obra, da autoria de Teresa Rodrigues, docente no Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora da linha de investigação “Prospetiva e Planeamento Estratégico” do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), explica como o envelhecimento, quando acontece no topo da pirâmide etária e é acompanhado do aumento da esperança média de vida e, simultaneamente, pelo envelhecimento da base (as idades mais jovens), pela diminuição dos número de nascimentos e pelo aumento da idade média da população, causa uma espécie de tempestade perfeita. “Uma trilogia que permanecerá e se irá intensificar nas próximas duas a três décadas”, alerta a professora.

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Portugal é o sexto país mais envelhecido do mundo e o oitavo com maior esperança média de vida à nascença. Mas cada mulher tem em média apenas metade dos filhos que tinha há trinta anos, as crianças portuguesas têm mães cada vez mais velhas e metade delas nunca terá irmãos, refere a professora no livro. A redução da fecundidade ganhou raízes na sociedade portuguesa: “Começou em 1982 e não parou mais”. Um problema que afeta também a população ativa. “O número de pessoas em idade potencial de saída do mercado de trabalho [entre os 55 e 65 anos] não é compensado há mais de oito anos pelo número de pessoas em idade potencial de entrada no mercado de trabalho [indivíduos entre os 20 e os 34 anos]. Ou seja, desde 2010 deixou também de estar assegurada a substituição da população ativa e contributiva.”

“Os grupos populacionais que estão a aumentar têm todos mais de 50 anos e o envelhecimento será mais acentuado, sobretudo no grupo de pessoas com mais de 75 a 80 anos ”, explica Teresa Rodrigues, sublinhando que estas pessoas, inseridas no conceito “idosos seniores”, vão apresentar necessidade de cuidados de saúde e acompanhamento social superiores aos dos “idosos juniores” (entre 65 e 79 anos).

E, embora estas necessidades aumentem, o envelhecimento desta população tem tendência para ser mais solitário, devido às significativas reduções na dimensão dos núcleos familiares. “Cada vez mais teremos famílias de filhos únicos, que, quando chegarem à idade adulta, têm de tomar conta dos seus próprios filhos e, ao mesmo tempo, dar apoio aos pais, aos avós e às bisavós, devido à maior esperança de vida das mulheres.” Assim, o envelhecimento nas idades mais avançadas já ocorre e irá acentuar-se essencialmente no feminino.

Foto Ana Baião

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Há ainda, em Portugal, uma questão territorial a ter em consideração. O processo de envelhecimento não se processa uniformemente no país, “nem em ritmo nem na forma”.

Mas, como explica a investigadora, “não há motivo para dramatismos excessivos” porque, embora a situação seja grave, quando atingir o pico, no espaço das próximas duas a três décadas, será também acompanhada do envelhecimento de uma população mais qualificada.

O aumento dos níveis educacionais influencia a forma como cada idoso vai perceber e gerir a sua relação entre a saúde e a doença. E quem estiver mais preparado terá maior capacidade para comunicar de forma a agir preventivamente ou mesmo potenciar o tratamento e promovendo uma maior exigência e consciência dos próprios direitos e uma utilização mais direcionada dos serviços de saúde.

“As pessoas que atualmente têm entre 50 e 60 anos, quando chegarem aos 70 anos estarão mais preparadas, serão mais qualificadas e terão uma maior capacidade para adotar medidas preventivas dos problemas de saúde”, explica Teresa Rodrigues.

Mas até lá chegar, muito terá de mudar. Os serviços de saúde, como funcionam atualmente, não respondem de forma efetiva às necessidade de saúde dos idosos, refere o estudo, apontando a carência de recursos humanos como o ponto mais fraco do SNS. Há má resposta dos serviços de proximidade, com excessiva sobrecarga dos serviços mais centralizados. E, embora a situação nos centros urbanos não seja boa, as zonas interiores são as mais carenciadas.

São três as sugestões fundamentais para colmatar a situação, segundo Teresa Rodrigues: reorgarnizar o sistema de saúde, reajustar os comportamentos de consumo e mudar os comportamentos coletivos e individuais de risco.