Bernardo Ferrão

Andamos nisto

Bernardo Ferrão

Rui Rio e o endireita do PS

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Se olharmos para a história não chegam aos dedos de uma mão o número de acordos assinados (e executados) entre os principais partidos. Podemos lembrar as revisões constitucionais ou o pacto para a Justiça. Por serem raros, é normal que os consensos ainda sejam notícia. Talvez daqui a uns anos deixem de o ser e, nessa altura, possamos discutir de forma menos maniqueísta os impactos e as consequências das aproximações partidárias. Mas esse futuro ainda parece longe. Por isso, mais do que a substância dos compromissos, estamos mais concentrados na fotografia de conjunto e nos seus impactos no xadrez político. António Costa e Rui Rio no mesmo plano. A imagem é forte.

Detenho-me neste ponto. A convergência é salutar - o país ganha e os partidos mostram sentido de Estado -, mas é importante que as diferenças entre quem converge estejam bem vincadas. Para que se possam juntar, o que os separa deve ser claro. O PSD de Rui Rio ainda procura caminho. Continua sem tornar evidente o que traz de novo – e hesita em posições que exigiriam mais confiança no discurso como na questão dos aumentos da função pública. O risco de ser visto como uma “muleta” do PS, como alertou Luís Montenegro, existe não só pelas óbvias dificuldades na ação do partido, mas sobretudo pela performance assinalável do Governo. António Costa (e Mário Centeno) está a secar a fonte social-democrata.

Costa surge como o grande aglutinador. É incrível o percurso desde 2015. Com uma frente de esquerda foi ocupando o centro, cumpriu com a Europa e ganhou espaço à direita – ao ponto de o PSD poder ser visto como uma “cópia” do PS. António Costa nem pode ser acusado de estar a trair as esquerdas. Na verdade, não só não falhou com os acordos da “geringonça” como está a permitir que PCP e BE reforcem o discurso de que é “tudo farinha do mesmo saco” – importante para os seus eleitorados. Ao mesmo tempo, tal como vai beber ao eleitorado de direita, o PS deixa as esquerdas amarradas: se PCP e BE se radicalizarem podem perder eleitorado para os socialistas.

E Rui Rio, o que ganha com os acordos? Se fizermos a pergunta ao contrário facilmente concluímos que perderia muito mais se não os fizesse. Mal comparado, António José Seguro perdeu força depois de ter recusado o acordo de salvação nacional com Passos Coelho. De facto, Rio percebeu que no atual quadro político tem de ganhar tempo - o ideal seria conseguir chegar às autárquicas -, e acima de tudo precisa que 2019 não seja desastroso perante um Costa absoluto. O líder do PSD dificilmente podia optar por outro caminho. Com a fotografia em São Bento, Rui Rio não só reforça a sua imagem pública como melhora a do partido, porque, ao contrário de Passos Coelho, desbloqueou as relações com o PS. O PSD credibiliza-se e torna-se, na oposição, o interlocutor do Governo. Rio aposta tudo na tecla da responsabilidade, no país à frente do partido. Mas enquanto faz isso, precisa de encontrar uma linha que o distinga. O maior risco para o PSD é este abraço amigo do PS.

Nesta fase dos acordos há alguma encenação que até traz vantagens para os dois líderes. Mas há sobretudo um perigo maior: a crescente perceção de que não existe alternativa ao PS. O contexto é demasiado adverso. Rio está a deixar-se enredar na ideia de que está a fazer tudo bem para ficar em segundo. Ninguém espera que ganhe em 2019, o problema é se se instala a convicção de que mais do que muleta, o partido de Rio é mais um en...direita de um PS que não quer ficar acantonado à esquerda.