Chamem-me o que quiserem
Henrique Monteiro
Contra a vacinação obrigatória
Atenção que o título os pode levar ao engano. Assim como o alarido à volta da epidemia do sarampo também. Um dos males deste mundo moderno é querer arranjar soluções a quente, sem refletir, sem medir convenientemente os prós e os contra. O abaixo-assinado a favor da obrigatoriedade da toma de vacinas até pode ter razão. Mas este é o pior momento para se decidir o que quer que seja. Não é em cima de climas emocionais, nomeadamente provocados pelo falecimento de uma jovem, que se constroem consensos sólidos.
Basta pensar nisto: se a vacinação fosse obrigatória e uma criança falecesse no âmbito de uma reação alérgica a uma vacina, mais ou menos as mesmas pessoas se mobilizariam contra a obrigatoriedade de vacinar. Como muito bem disse o ministro da Saúde, que tem mostrado excelente bom senso, antes de mais este é um problema de liberdade individual que pode ou não ser coartado pela lei. No entanto, não pode ser como reação a um acontecimento ou, pura e simplesmente, porque as pessoas agora querem ter opinião sobre o assunto.
Os promotores do abaixo-assinado afirmam razões com as quais pessoalmente concordo. Por exemplo: “Porque não queremos voltar a temer doenças como a tuberculose, o sarampo, a escarlatina ou a tosse convulsa (…) vimos pedir que seja pensada a obrigatoriedade da vacinação de todas as crianças – e apenas das vacinas que constam do Plano Nacional de Vacinação, que sabemos ser um dos mais robustos da Europa”. No entanto, o que lemos em todos os jornais e o que ouvimos em todos os rádios e televisões é que a petição defende a vacinação obrigatória. Na verdade, apenas defende que essa solução seja pensada. Eis no que estou fundamentalmente de acordo.
Quero com isto dizer que as transações entre os direitos dos indivíduos e os deveres de um Estado não são sempre muito claras
Há diversos aspetos que tolhem a nossa liberdade individual que são obrigatórios para a nossa segurança e a dos outros. O cinto de segurança é um caso, embora aqui possa sempre haver a alternativa de não andar de carro, coisa que alguém que não queira vacinar-se ou vacinar os seus não tem. Há outras, em que o SNS gasta muito dinheiro e não proíbe, como o alcoolismo ou o tabagismo. Parece-me bem que o não faça. E, embora aqui não haja o perigo de contágio propriamente dito, há o chamado contágio social. Ou seja, se nenhuma criança vir adultos a fumar, jamais lhe ocorreria fumar. E o mesmo no caso de beber álcool.
Quero com isto dizer que as transações entre os direitos dos indivíduos e os deveres de um Estado não são sempre muito claras. Precisamos de muita reflexão. O caso de morte relatado ficou-se a dever a uma sucessão de azares. Um bebé não vacinado por estar febril apanhou sarampo e contagiou uma adolescente com uma mononucleose que não havia sido vacinada. A doença de que já padecia faz baixar as defesas naturais e a adolescente acabou por morrer de uma pneumonia bilateral.
Antes de se colocarem culpas e se atirarem pedras, convém algum bom senso. Desde logo, as campanhas pró-vacinação devem intensificar-se, como defendem todos os partidos. Depois, desmistificar a ideia de que as vacinas não são naturais. São. As pessoas que são naturalmente imunes a certas doenças são-no, dizem os especialistas, pelos mesmos processos com que uma vacina atua. É preciso derrotar ideologicamente estes movimentos de retrocesso civilizacional e ainda há dois dias falei de vários, não só no âmbito da saúde. E, se calhar, é preciso tornar obrigatórias algumas vacinas, de forma a podermos viver em sociedade de forma mais segura.
Mas não se duvide de que vacinas obrigatórias, impostas sem um esclarecimento cabal do erro em que incorrem aqueles que se lhes opõem, se tornará num foco de polémica árida, com a Comunicação Social a dar destaque a todos os pequenos incidentes que a vacinação possa provocar. O consentimento é sempre melhor do que a imposição e se fomos capazes até hoje, como salientou numa entrevista Mário Cordeiro, seremos seguramente capazes daqui em diante.