O que ainda não mudou na igualdade de género: a mulher faz, o homem deixa-a fazer

FOTO GETTY

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Uma sondagem do Social Data Lab/GFK mostra como os portugueses olham para a partilha das tarefas diárias em casa e comprova que os mais novos já têm um olhar mais igualitário que os mais velhos. Mas esta é apenas uma parte da discussão sobre a igualdade de género: hoje, as mulheres ainda chegam a ganhar menos 20% que os homens nos mesmos cargos e a discussão sobre a paridade voltou ao Parlamento

TEXTO RAQUEL ALBUQUERQUE INFOGRAFIA SOFIA MIGUEL ROSA

Há uma parte desta história que ainda é a mesma: as tarefas domésticas continuam a ocupar mais tempo às mulheres do que aos homens, a perceção geral é essa e as estatísticas provam-no. Mas há uma outra parte que tem vindo a mudar. É que apesar de a sociedade ainda olhar para a mulher como quem tem ‘melhor desempenho’ nessas tarefas, os números comprovam que os mais jovens têm hoje uma visão mais igualitária do que a geração dos seus pais.

É isso que mostra um estudo do Social Data Lab com base numa sondagem da GFK, trabalhada pelo Expresso e pela SIC; que exibirá esta segunda-feira à noite uma reportagem sobre o tema. A sondagem pega em alguns dos temas do Inquérito à Fecundidade do Instituto Nacional de Estatística como ponto de partida para colocar seis perguntas a uma amostra representativa da população portuguesa. Quem ‘desempenha melhor’ tarefas como tratar da roupa, fazer pequenos arranjos em casa, cozinhar, ajudar os filhos nos trabalhos de casa, levá-los ao médico ou ficar com a sua custódia depois do divórcio?

Em 2013, o inquérito do INE feito em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) veio mostrar, por exemplo, que em 70% das famílias é a mulher quem trata da roupa e só em 12% dos casos é que esse trabalho é partilhado pelos dois. A sondagem agora conhecida concluiu que para 78% dos portugueses é a mulher que ‘desempenha melhor’ essa tarefa e apenas 20% das pessoas acreditam que tanto o homem como a mulher têm o mesmo desempenho a tratar da roupa. Já quando se olha para as respostas dadas segundo a idade, percebe-se que para os jovens com idades entre os 18 e os 24 anos essa perspetiva mais igualitária sobe para 29%, ainda que uma grande maioria (71%) considere ainda que é a mulher que melhor trata da roupa.

O mesmo acontece com outras questões, como ajudar os filhos a fazer os trabalhos de casa ou levá-los ao médico — realçando-se essa visão menos assimétrica quando se comparam os mais novos com os mais velhos. “A população jovem tende a ser mais igualitária, mais as jovens do que os jovens (o que estes dados não permitem constatar)”, explica ao Expresso Sara Falcão Casaca, professora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e especialista na área da igualdade de género, alertando porém que neste caso estão a ser analisados valores e atitudes, e não práticas.

Quando questionados sobre a custódia dos filhos depois do divórcio, mostra a sondagem, há mais homens (54%) do que mulheres (36%) a acharem que tanto um como o outro desempenharia bem a função. Em termos de idade, repete-se a mesma tendência: 50% dos jovens entre os 18 e os 24 anos acham que é igual ser a mãe ou o pai, acima dos 43% de adultos entre os 55 e os 64 anos que partilha a mesma opinião.

Porém, mesmo entre os jovens, uma grande parte continua a refletir um desequilíbrio entre os homens e as mulheres. “Não deixa de causar surpresa (e no meu caso, preocupação) o facto de entre cerca de um quarto e metade da população jovem apresentar uma orientação relativamente conservadora” em exemplos como ajudar os filhos em casa ou ficar com a sua custódia, confessa Sara Falcão Casaca.

“Se as desigualdades de género são tão resistentes é porque são perpetuadas por nós, mulheres e homens. Desde logo, por influência do modo como nos autopercecionamos, dos papéis que desempenhamos – e que aprendemos serem os nossos papéis –, as relações que estabelecemos, as expectativas que temos”, explica a, ex-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). As mulheres trabalham por dia mais do que os homens 1 hora e 40 minutos, juntando o trabalho em casa e de cuidado de outras pessoas, segundo os dados do último inquérito aos usos do tempo, feito em 2015. “Não é razoável”, conclui.

O que está fora de casa

Falar de igualdade de género não se restringe apenas à partilha de tarefas. E as desigualdades salariais são um dos indicadores “mais resistentes”, defende a investigadora. Em 2015, as mulheres em Portugal ganhavam menos 16,7% do que os colegas do sexo masculino, tendo em conta as remunerações, e menos 20% com base nos ganhos (que incluem prémios e bónus). “E quanto mais qualificadas, mais penalizadas em termos de diferencial salarial”, reforça a professora do ISEG, acrescentando que as mulheres que são quadros superiores ganham em média menos 26,4% do que os homens (remunerações de base) e 27,9% dos ganhos em geral.

“É urgente a tomada de medidas. Há uma proposta do Governo para conseguir um acordo em sede de concertação social neste âmbito.” E deixa críticas em relação ao que falta fazer em matéria de igualdade de género: “É claro que a CITE, no quadro as suas atribuições, procura fazer o que pode para garantir o cumprimento da lei. Mas, ao mais alto nível de decisão, não tem havido uma política de promoção da igualdade nas empresas, coerente, compreensiva, devidamente articulada.”

Atualmente, e segundo dados de abril de 2016, as mulheres representam apenas 28% dos lugares de topo nos conselhos de administração. O tema da paridade voltou à Assembleia da República na semana passada, com o Bloco de Esquerda a propor a paridade absoluta nas administrações do Estado, uma opção que fica para lá dos 33% propostos pelo Governo. As propostas estiveram em debate, mas seguiram para a especialidade.

“No caso das empresas cotadas em bolsa, onde a representação de mulheres nos conselhos de administração e de fiscalização é francamente baixa (à volta de 12%), se, em três anos, esse valor subir para 33%, será um avanço visível, contagiante e com possibilidade de progredir mais. A partir daí, a paridade está certamente mais próxima”, defende Sara Falcão Casaca, que concorda que se estabeleça uma meta mínima a rondar os 40%, “que é o limiar da paridade”. “É preferível, creio, avançar com metas que sejam efetivamente alcançadas, prevendo que sejam faseadas no tempo através do estabelecimento de metas intercalares (mas num horizonte temporal curto, como é o caso) e ajustadas às especificidades de cada segmento, do que ficar amarrada ao suporte da literatura teórica sobre paridade.”

De qualquer forma, a ex-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade (CITE) acredita que as iniciativas legislativas deveriam ser complementadas com o envolvimento da sociedade. “Esse é o desafio maior. É preciso desconstruir a associação entre estas medidas e o mérito, porque as medidas vêm precisamente possibilitar que o mérito possa ser visível e reconhecido.”