Opinião
Nicolau Santosnsantos@expresso.impresa.pt
O que quer o dr. Domingues?
Toda a gente já percebeu o que se passou com a anterior administração da Caixa Geral de Depósitos. O Governo convidou António Domingues para presidir à instituição, este pôs como condição que ele e os membros da sua equipa não fossem equiparados ao estatuto do gestor público, o que evitava que tivessem de apresentar as suas declarações de rendimentos e património no Tribunal Constitucional e o Ministério das Finanças aceitou esta exigência. Depois, em Agosto, após o assunto ter sido levantado por Luís Marques Mendes no seu habitual comentário dominical na SIC, o Governo deixou de ter condições políticas para cumprir o acordo. Teria sido seguramente mais simples explicar tudo na altura e colocar uma pedra em cima do assunto, através da saída de António Domingues e do convite a um novo presidente. Mas o ministro das Finanças, Mário Centeno, que tem pouco jeito para a oratória, envolveu-se em explicações cada vez mais penosas, até acabar nos “erros de percepção” em que teria levado Domingues a acreditar que não seria obrigado a apresentar as declarações. O PSD e o CDS tem feito do tema o seu cavalo de batalha política, por falta de outro a que se possam agarrar. E o assunto tem crescido e corroído a posição do ministro, que está obviamente fragilizado por uma questão menor, quando no lado daquilo que importa, o desempenho da economia, Mário Centeno tem vários trunfos para apresentar.
Não é só o PSD e o CDS que têm cavalgado o tema. Também o Presidente da República e o seu fiel escudeiro Luís Marques Mendes, além de Lobo Xavier, amigo pessoal de Domingues, tem estado muito activos nesta matéria, com sucessivas declarações públicas sobre o tema, culminando com um inusitado comunicado da Presidência da República onde, para quem souber ler, é retirada a confiança política ao ministro das Finanças (coisa que só o primeiro-ministro pode fazer), sendo mantido no cargo apenas para evitar a instabilidade que a sua demissão acarretaria e porque tem obtido resultados na frente económica em que quase ninguém acreditava, quer interna, quer externamente.
Esta história, contudo, e a próxima comissão parlamentar de inquérito, só se aguentam porque existe António Domingues, que recebeu documentos, mails e sms que supostamente suportam por escrito a história que PSD e CDS sustentam que aconteceu. Ora a pergunta que se coloca é o que pretende António Domingues ao deixar-se arrastar para o centro deste debate político, sem o qual o caso teria perna curta?
A explicação mais óbvia é que, tendo um nome a defender, gostaria de deixar claro que o Governo lhe prometeu algo que não cumpriu. Hoje isso é completamente óbvio para todos os que tem seguido o assunto. Ora tendo esse objectivo sido atingido, o que mais pode querer António Domingues? Provavelmente, que o deixem em paz. Já basta o prémio anual que deixou de receber por ter saído do BPI antes da segunda metade do ano. Já basta ter sido obrigado a deixar a presidência da Caixa, depois de ter conseguido montar todo o processo de recapitalização. Já basta o facto de, com grande probabilidade, não voltar a trabalhar no sector financeiro e estar provavelmente a pensar em passar à situação de reforma.
Por tudo isso, o que faz mover António Domingues? Porque se sujeita ele a ser o pivô desta batalha política? É que, para todos os efeitos, emails privados não são documentos oficiais, é altamente duvidoso que possam ser exigidos e apagam-se. E para todos os efeitos, o Tribunal Constitucional já decidiu que ele e a sua equipa têm mesmo de apresentar as suas declarações de rendimentos e património – o que prova que só lhe seria possível ficar à frente da Caixa se o tivesse feito.
Domingues já provou o que queria. O que o continua fazer mover? Ou ele próprio ficou preso no combate político? Uma coisa é certa: se Mário Centeno não sai prestigiado desta querela, António Domingues também nada ganha em continuar a ser a espada de Dâmocles suspensa sobre o pescoço do ministro.