FUTEBOL

“O Rafa é um daqueles jogadores que quando vês pensas: ‘fogo, há muito tempo que não via desta qualidade’”

ELE QUER É BOLA Quim Machado tem 49 anos e está sem clube esta época - para já FOTO RUI DUARTE SILVA

ELE QUER É BOLA Quim Machado tem 49 anos e está sem clube esta época - para já FOTO RUI DUARTE SILVA

É o talento que vai ter com Quim Machado ou é Quim Machado que lança os talentos? Treinou o Vitória de Setúbal de Rúben Semedo e André Horta na época passada e lançou Rafa Silva no Feirense em 2012/13, e não tem dúvidas: o futebol português está cada vez melhor

TEXTO MARIANA CABRAL

O que andas a fazer?

Neste momento, nada. Tinha um projeto mais ou menos acertado para o estrangeiro, mas as coisas à última falharam. Portanto, ando a observar jogos e jogadores, a fazer um trabalho que normalmente não se faz quando se está a trabalhar.

Qual era esse projeto?

Era para ir para a Turquia, mas falhou.

Um treinador fica desorientado quando está sem clube?

É evidente que nos falta aquela adrenalina, aquela pressão de quando estamos a trabalhar. Nos primeiros tempos não notamos, mas depois começamos a ver que precisamos disso. Mas também tem o outro lado, como te disse, porque quando se está parado é possível ver muitos jogos e jogadores, porque a informação é muito importante. Claro que estar longe do relvado não é bom, mas faz parte da nossa profissão e temos de conviver com isso.

Então tens passado os dias no sofá a ver jogos na televisão?

[risos] Não, não. Nesta altura do verão também se faz alguma praia. Depois é claro que vejo jogos na televisão, mas habitualmente tento ir aos estádios. Prefiro ver ao vivo, mas aqueles que não é possível acompanhar de perto vejo na Sport TV.

E um treinador que não está a trabalhar tem sustento para quanto tempo?

No meu caso estou parado por opção, porque tive outros projetos que não aceitei. É evidente que vivemos do futebol, mas posso dizer que já atingi um patamar que me permite estar parado um ou dois anos. Não sabemos quanto tempo vamos estar parados, mas sabemos que vai sempre aparecer um projeto. Não sou muito de pensar nessa parte financeira. A vida não é só dinheiro, tem outras coisas muito importantes.

É TUDO DELE Rúben Semedo tem 22 anos e já é indispensável na defesa do Sporting. Começou a época passada no Vitória de Setúbal, mas depois foi chamado a Alvalade, a meio da época FOTO MÁRIO CRUZ/LUSA

É TUDO DELE Rúben Semedo tem 22 anos e já é indispensável na defesa do Sporting. Começou a época passada no Vitória de Setúbal, mas depois foi chamado a Alvalade, a meio da época FOTO MÁRIO CRUZ/LUSA

Ficaste desiludido com a época passada do Vitória de Setúbal?

Nós fizemos uma primeira volta muito boa, muito acima da média e a jogar bom futebol. Claro que as pessoas depois criaram expectativas altas, mas com as saídas do Suk para o FC Porto e do Semedo, que regressou ao Sporting, a equipa ficou mais frágil e aí tivemos uma segunda volta muito desgastante. Acabámos por sofrer muito. Tinha mais um ano de contrato, mas no final da época achei que o melhor era terminar o contrato. E agora estou pronto para outra.

Falou-se muito no Vitória de Setúbal por valorizar essencialmente o futebol ofensivo na época passada. É por aí que começas a construir as equipas?

Não tenho outra forma de trabalhar, eu gosto é de futebol ofensivo. Em todas as equipas por onde passei foi assim. No Setúbal, o Suk e o Semedo tinham características que nos permitiam jogar em pressão alta, até porque o Semedo, lá atrás, era um jogador muito rápido, que conseguia em contra-ataque ir buscar os jogadores, e o Suk dava muita profundidade na frente, o que nos permitia sempre jogar com um bloco alto. Naturalmente que mesmo com outros jogadores, nas outras equipas, também procurei fazê-lo e a verdade é que fizemos sempre muitos golos. Dou um exemplo: no Tondela, há duas épocas, o Tozé Marreco fez 25 golos, um número que não é muito normal. E na época passda o Suk, antes de sair, já tinha nove ou dez golos, salvo erro, era o terceiro melhor marcador.

Queres as tuas equipas a atacar mais do que a defender?

As minhas equipas vão sempre jogar ao ataque e valorizar os jogadores, porque só assim é que conseguimos valorizar verdadeiramente os jogadores. Foi isso que aconteceu no Vitória e alguns dos jogadores deram o salto, como o Suk, o Semedo e o André Horta, mas outros também se valorizaram, como o Costinha e o André Claro. É assim que eu gosto de estar de futebol, de forma ofensiva e principalmente a favorecer os jogadores, porque eles é que trabalham e há muitos que têm tido sorte comigo, desde o Rafa, nos tempos do Feirense.

SENHOR MILHÕES Rafa começou no Feirense, em 2012/13, e quatro épocas depois, com 23 anos, já vale cerca de €15 milhões (e pode estar a caminho do Benfica) FOTO JOSÉ COELHO / LUSA

SENHOR MILHÕES Rafa começou no Feirense, em 2012/13, e quatro épocas depois, com 23 anos, já vale cerca de €15 milhões (e pode estar a caminho do Benfica) FOTO JOSÉ COELHO / LUSA

Especialmente esses três, Semedo, Horta e Rafa, começaram a crescer enquanto seniores nas tuas equipas.

Sim, o Rafa chega ao Feirense, que estava na II Liga, como um miúdo que tinha acabado de sair dos juniores, ainda não se tinha estreado nos seniores. Mas depois de uma ou duas semanas de treino com o Rafa vi logo que estava ali um talento enorme. É um daqueles jogadores que quando vês pensas: ‘epá, fogo, há muito tempo que não via desta qualidade’. O André Horta é igual, é um miúdo que estava a começar nos seniores e mostrou logo na pré-época que tinha qualidade e personalidade para jogar na equipa principal do Vitória. Foi titular desde o início e foi melhorando bastante ao longo da época e acabou por chegar ao Benfica.

Esperavas que se integrasse tão facilmente no Benfica?

Também teve alguma sorte pela saída do Renato Sanches e pelas caraterísticas dos médios do Benfica, que se distinguem dele. O Horta é totalmente diferente. Tem transporte de bola, tem visão de jogo, tem facilidade de remate... Tem alguns atributos que não é fácil reunir num jogador. Acho que ele também beneficiou porque o Vitória na época passada jogava um pouco como jogava o Benfica, naturalmente na dimensão de cada um, mas já era um oito e também jogávamos com dois médios no médio.

Na época passada ele foi apanhado na Luz a ver um jogo com a camisola do Benfica. O que lhe disseste nessa altura?

É um miúdo que nunca escondeu que era benfiquista, mas nessa altura é claro que lhe disse que ele não se podia expor tanto, enquanto profissional que é, porque ele representava o Vitória. Um jogador representa um clube e não pode estar nas redes sociais com uma camisola de outro clube. Há que ter um certo cuidado e eles às vezes esquecem-se.

O BENFIQUISTA Formado na Luz, foi dispensado ainda nos juvenis, mas voltou ao clube do coração, aos 19 anos, depois de ter crescido em Setúbal FOTO JOSÉ COELHO / LUSA

O BENFIQUISTA Formado na Luz, foi dispensado ainda nos juvenis, mas voltou ao clube do coração, aos 19 anos, depois de ter crescido em Setúbal FOTO JOSÉ COELHO / LUSA

O que é que é mais importante para estes miúdos singrarem nos seniores?

A passagem dos juniores para os seniores não é fácil. É preciso ter coragem e humildade. Com a idade deles, é importante a vontade e o crer, assim como o saber ouvir e o corrigir determinados comportamentos, porque é inevitável teres de aprender mais coisas quando vens das camadas jovens. Se conseguires demonstrar uma personalidade forte e não tiveres receio, penso que consegues - tendo qualidade, claro, se não não dá. E o treinador também é fundamental neste papel, porque é ele que dá liberdade, ou não, e é ele que fala com eles de determinada forma, ou não. Penso que é fundamental dar liberdade aos jogadores com talento, para eles conseguirem pôr tudo o que sabem em prática.

Domingo vais ver o Benfica-Vitória de Setúbal?

[risos] Ainda não sei. Mas é provável que veja na televisão e não no estádio.

Como te parece estar a luta no topo da tabela?

O Benfica parte naturalmente com vantagem, porque é tricampeão e está com uma dinâmica de vitória que é importante, porque os jogadores ficam confiantes. Por outro lado, temos o Sporting, que fez um campeonato fantástico, apesar de não ter conseguido o título - e é importante conciliar as exibições com os títulos. Penso que o Sporting vai estar mais forte este ano, não será fácil para o Benfica. E o FC Porto, com todos os problemas que tem tido, ainda não se conseguiu encontrar bem. Penso que a pressão este ano recai toda sobre o FC Porto, porque não está habituado a não ganhar e não pode falhar. Mas penso que vai ser muito mais competitivo, porque já está com uma mentalidade diferente, o Nuno [Espírito Santo] está a tentar incutir o espírito que conhecíamos do FC Porto. No ano passado acabou por ser um campeonato a dois, mas este ano acho que não, acho que vai ser um campeonato mesmo a três até ao fim. O campeonato português está cada vez melhor, somos campeões europeus, temos jovens jogadores com qualidade e há cada vez mais gente a olhar para a nossa Liga.

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