J. RENTES DE CARVALHO *, ESCRITOR

CRÓNICA

J. RENTES DE CARVALHO *, ESCRITOR

O ukase sobre “Os Maias”

foto D.R.

foto D.R.

Uma notícia com mais de uma década tornou-se de repente facto aparentemente fresco: “Os Maias” deixaram de ser leitura obrigatória no secundário, escreveu a imprensa esta semana. As redes sociais viram, insurgiram-se e questionaram: como é possível tamanha afronta ao Eça, que indignidade é esta? Mas, na verdade, há mais de uma década que assim é: trata-se de facto verdadeiro em 2018 mas também em 2017 e assim anteriormente. Por isso, há aqui matéria para muitos anos de indignação, motivo que nos leva a J. Rentes de Carvalho: a pedido do Expresso, o escritor explica a falta que uns “Maias” obrigatórios fazem ao país - sobretudo aos mangas-de-alpaca

O que vem logo ao pensamento ao receber a notícia de que “Os Maias” deixa ser leitura obrigatória no secundário é investigar a árvore genealógica dos néscios que tomaram essa decisão, porque de certeza há entre eles descendentes em linha directa do Conde Abranhos ou daqueles políticos que no fino retrato que Eça de Queirós deles fez se destacavam por terem ”uma grande cabeça” e dormirem durante as sessões parlamentares.

Por má sorte, não é a dormir que estes cavalheiros andam, antes parece que bem acordados levam a sério as suas fantasias, imaginando que a sociedade para ser moderna de verdade deve ser psicadélica, que os jovens cidadãos só encontrarão felicidade e êxito na vida se se mantiverem no rebanho dos semianalfabetos, dóceis e manipuláveis como crianças do infantário.

Na óptica dessas “grandes cabeças” a leitura de “Os Maias” e obras de igual “dificuldade” é uma inútil sobrecarga para a massa cinzenta de uma juventude que, como estímulo intelectual, não precisa mais do que os desafios do Facebook e os êxitos dos influencers no Instagram.

Pobre juventude, infelizes os pais e os educadores que inutilmente se esforçam por lutar contra a poderosa corrente da parvoíce, pois dominante como já é na sociedade, bem se dispensava vê-la também abençoada pelos que governam, e levanta sérias dúvida sobre o desenvolvimento cerebral e as capacidades intelectuais dos mesmos.

Não é porque a Eça de Queirós devo muito e sei o seu valor que me põe de avesso o ukase dos senhores da Educação, mas porque o considero um crime. Qualquer português adulto, em seu juízo e um mínimo de escolaridade, sabe que Eça de Queirós é mais que um nome, uma estátua ou uma placa de rua.

Eça de Queirós Foto D.R.

Eça de Queirós Foto D.R.

O seu nome ficou, ficará, enquanto dos mangas-de-alpaca que depois do seu falecimento o foram achincalhando, porque o temiam e achavam venenosa a sua ironia, não sabemos o nome de nenhum, nem lhes conhecemos a cara, destino que terão estes de agora, a quem talvez incomode menos a cansaço de ler “Os Maias” do que dar à juventude a perigosa oportunidade de descobrir o terrorista social que escreveu “As Farpas”.

Fossem eles cidadãos conscientes e políticos de verdade interessados no progresso do país, não se entreteriam na busca de “facilidades” e exigências mínimas para o ensino da juventude, seria sua obrigação elevar a craveira, exigir excelência. Todavia o mais certo, porque disso dão mostra, é que eles próprios de Eça de Queirós e do pouco que leram nada aprenderam, nem se deram conta de estarem lá fiel e finamente retratados.

Grande mal é ser a luta inglória, cansativa, de todos os tempos, e resultar sempre como Schiller (1759-1805) nos avisou, de que “Contra a ignorância até os deuses lutam em vão”.

Infelizmente, também não é item que prometa êxito se levado ao Facebook, pelo que a nós, os de boa vontade, cientes do valor da obra do “pobre homem da Póvoa de Varzim”, resta-nos fazer trabalho de missão: convencer os que o ignoram que a obra de Eça de Queirós nos dá um genial retrato do país que éramos, fomos, continuamos a ser, mas onde para mal de todos nós os mangas-de-alpaca só conhecem uma velocidade: a marcha atrás.

(J. Rentes de Carvalho escreve de acordo com a antiga ortografia)