Opinião
Amanhã
Henrique Monteirohmonteiro@expresso.impresa.pt

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Uma carta alternativa aos senhores da Europa

Caros senhores Juncker e Dombrovskis, caros camaradas Moscovici e Dijsselbloem, andamos todos há muito tempo nisto e não vale a pena começarmos a argumentar acerca das sanções a Portugal. Vocês sabem que as merecemos e nós também. Vocês sabem que nunca aplicaram sanções a ninguém, nomeadamente aos países grandes, e nós também. Vocês sabem que a conversa das sanções é para entreter e nós também.

Posto isto, e como a verdade é melhor e mais simples do que as labirínticas palavras de uma espécie de diplomacia económica, eis o retrato que fazemos de Portugal: o Governo anterior pensou que com doses grandes de austeridade fundada na coleta de impostos e com um discurso liberal conseguia colocar o país no rumo. Falhou, porque o dinheiro que tirou às pessoas, tirou-o à economia; e falhou porque se esqueceu que séculos de cultura de encosto ao Estado matam qualquer estratégia de legislatura que vise o contrário.

O atual governo pensou que devolvendo um pouco o dinheiro às pessoas, mormente aos funcionários, porque as razões políticas também assim o ditavam, baixando o IVA na restauração e dando umas folgas onde a tarraxa estava apertada de mais, conseguiríamos virar a página da austeridade. Falhámos porque o consumo não explodiu, porque os restaurantes não criaram emprego, porque os impostos que criámos para contrabalançar as perdas não dão o que esperávamos; enfim, ficámos na mesma página…

Mas há um ponto importante, no meio de tudo isto. Somos europeístas fanáticos (não há um partido sequer no Parlamento que diga, preto no branco, que quer sair da Europa) e se nos aplicaram sanções são capazes de contribuir para algo que não existia, até agora, em Portugal – o populismo antieuropeu. Percebam isso e compreendam que as décimas pelas quais nos querem penalizar são meros exercícios contabilísticos.

Quantos anos vivemos a saber que todos aldrabavam as contas? Na Grécia, quantos anos andámos a saber das suas desorçamentações brutais que chegaram às Forças Armadas. Podemos culpar agora o Goldman Sachs - e não há dúvida de que têm culpa -, mas todos nos aproveitámos disso. Em Portugal as empresas públicas mais ruinosas não faziam parte do perímetro orçamental e obtinham empréstimos com avais do Estado. Claro que, todos nós, hoje dizemos que a culpa é da banca, mas sabemos, tão bem quanto vós, que convivemos bem com isso.

Vós na Comissão, mais o Ecofin e o Conselho e todos os órgãos de poder europeu são formados por pessoas com mais experiência do que o Matusalém. Por isso, quando nos vêm falar de sanções, nós temos de responder: Mas porquê hoje? Porquê agora? A coisa sempre funcionou assim e nunca houve problemas. Acham que mudou alguma coisa? A Grécia não continua lá com o Syriza (e agora, com a Turquia, até lhes damos dinheiro, se necessário for…). O Hollande, camarada Moscovici, não vinha mudar isto tudo? E lá continua, com o Manuel Valls a zangar-se com os sindicatos… O Renzi, não era a esperança de todos? E lá continua, à espera de perder um referendo, depois de perder Roma e Turim para apoiantes de um palhaço.

Podemos enviar números, reservas, cativações, novas contas e tudo o que quiserem. São folhas de Excel. Mas não pensem, nem por um minuto, que isso altera a nossa trajetória para o desastre. Nem a nossa, portuguesa, nem a nossa Europeia. Seria preciso muito mais do que austeridade e muito mais do que contas certas para voltarmos ao que éramos dantes. Seria necessário seriedade, rigor, palavra, hombridade e coragem. Seria preciso reconhecer que a ideia multiculturalista da Europa falhou; que a ideia de que a Turquia podia ser da União Europeia era ridícula; de que a ideia de poderíamos tratar os russos como nos apetecesse era pueril. Gozámos com W. Bush por ele ser um pateta… não fomos menos do que ele.

Porém, como ao contrário dos EUA não temos capacidade de mudar, de nos reinventar, andamos por aí à cata de culpados: a esquerda irresponsável, a direita neoliberal, o Tsipras ou o Varoufakis, o Schäuble ou a Merkel, o Dijsselboem ou o Dombrovskis. Não vale a pena… O que a Europa precisa não se encontra numa folha de Excel.

Chama-se (à falta de melhor) alma.

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Amanhã

FESTIVAL

SEAL NO EDPCOOLJAZZ

O cantor britânico de soul music, reconhecido pela mistura de ritmos como soul, folk, dance, rock e pop, tem concerto marcado para esta quarta-feira, às 21 horas, no Parque dos Poetas, em Oeiras. Os bilhetes custam entre €25 e €65 e a primeira parte do espetáculo é assegurada pela banda portuguesa HMB.

TELEVISÃO

ESTREIA DA NOVA TEMPORADA DE “TYRANT”

A série de sucesso da FOX Life, sobre uma família americana a viver num regime ditatorial islâmico, ganha esta semana novos capítulos. A guerra prossegue, também dentro de portas e no seio da família, pelo que a vida em Abbudin não ficará mais fácil. O primeiro episódio da terceira temporada estreia esta quarta-feira, pelas 23h10.

CINEMA

“DROWNED CITY” NA ZDB

A iniciativa Cinema no Terraço ZDB está de regresso à Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, e o primeiro documentário é exibido já esta quarta-feira. Trata-se de “Drowned City” (2014), de Faith Millin, que chega ao terraço pelas 22 horas. Os bilhetes custam €2.

CONCERTO

JUANA MOLINA NA MADEIRA

É na Estalagem Ponta do Sol, na Madeira, que o concerto se dá e é já esta quarta-feira, pelas 22 horas, que a cantora argentina sobe ao palco. Em vésperas de lançar o álbum que sucede a “Wed 21”, de 2013, Juana Molina apresentará músicas conhecidas e novos registos.