Henrique Raposo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

O jornalismo que alimenta Trump

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Atalho para a desordem Foto Jonathan Ernst/Reuters

Atalho para a desordem Foto Jonathan Ernst/Reuters

Trump prospera por causa da democracia direta das redes sociais, é sabido. Mas também prospera devido à cultura criada pelos canais de desinformação 24 sobre 24 horas como a CNN. Sim, desinformação. Esta cultura mediática viciou a sociedade num automatismo emocional que abole o pensamento e a razão; a sociedade só sabe sentir a partir de imagens icónicas, a partir do flash, do momento captado em câmara. A semana passada foi um momento trágico desta cultura, porque durante uns dias Trump foi quase elevado ao patamar do Nobel da Paz. Vimos, ouvimos e lemos políticos, diplomatas, especialistas e jornalistas de todo o mundo a dizer, bom, sim senhor, não podemos criticar este “encontro histórico”, esta “vitória da diplomacia e da paz”. Perdão? Já não estamos a falar do homem que destrata crianças mexicanas em centros de detenção? Já não estamos a falar do homem que rasgou um acordo nuclear detalhado com o Irão?

Não é um aperto de mão televisionado e “tweetado” que vai resolver a desordem internacional, sobretudo quando estamos a falar de um Presidente americano que pensa como um produtor da CNN

"Não é um aperto de mão televisionado e “tweetado” que vai resolver a desordem internacional, sobretudo quando estamos a falar de um presidente americano que pensa como um produtor da CNN".

Será que podemos pensar para lá do frame e do tweet? A narrativa da cimeira de Singapura não é uma aproximação à paz. Pelo contrário. Em primeiro lugar, o acordo é vago. Em segundo lugar, a aproximação à Coreia do Norte é feita à custa da aliança histórica com a Coreia do Sul. A cultura mediática em que vivemos só presta atenção ao “novo”, ao novo que é “histórico”, não presta atenção ao normal; repara numa pintura nova e irrelevante numa parede, mas não sabe onde estão os pilares da casa. Um desses pilares são as alianças entre os EUA e as democracias asiáticas, que Trump tem desrespeitado à vez. Neste acordo visto como “histórico” pelos media, Trump aceita a linguagem da Coreia do Norte quando considera que os exercícios militares entre EUA e Coreia do Sul são “jogos de guerra provocatórios”. Não surpreende. Trump tem destratado todas as alianças dos EUA, sobretudo a NATO e o G7, duas "provocações" a Moscovo.

Sim, a cimeira de Singapura foi “histórica”, mas pelas piores razões. Não é um aperto de mão televisionado e “tweetado” que vai resolver a desordem internacional, sobretudo quando estamos a falar de um Presidente americano que pensa como um produtor da CNN: o que interessa é o impacto cénico.