Henrique Raposohenrique.raposo79@gmail.com

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Está frio. Quem diria?

Não é kryptonite FOTO REUTERS

Não é kryptonite FOTO REUTERS

A julgar pela “cobertura mediática”, o frio de inverno é sempre uma novidade. Todos os anos, televisões, rádios e até jornais falam do frio como se estivéssemos perante coisa nunca antes vista, qual rutura na história natural. Cada verão apaga a memória do inverno passado e em janeiro caímos de novo nesta explosão de perplexidades. Fala-se de “temperaturas baixas” como se estas anunciassem desgraças várias, a começar no apocalipse zombie do Francisco George. Fala-se da “vaga de frio” da mesma forma que se falaria de uma barragem de artilharia interestelar. É como se este manto frio que desce sobre nós fosse de facto uma invasão alienígena. Ou podemos ver a coisa ao contrário: é como se os portugueses fossem os aliens de G. W. Wells à mercê da mais pequena partícula de chuva.

No fundo, é como se desconhecêssemos a palavra “inverno”. Está frio. Quem diria? O frio é como lixa na ponta do nariz e nas orelhas. Quem poderia adivinhar? Não posso sair à rua de calções. Quem diria? É difícil perceber esta idiotice mediática que se repete todos os anos. É ainda mais difícil perceber o paternalismo dos média e de diversas entidades em relação à população. Acham mesmo que as pessoas, por muito pobres que sejam, não compreendem a necessidade do agasalho? Acham mesmo que as pessoas das vilas e aldeias do interior não estão habituadas a lidar com o frio? É mesmo preciso encher as televisões e rádios com uma pessoa a recomendar “roupa adequada à estação”?

É mesmo preciso encher as televisões e rádios com constantes alertas laranjas, azuis, amarelos, roxos ou lilases da proteção civil e com diversos diretos de diversos distritos como se estivéssemos de facto perante uma invasão que é preciso acompanhar na sala da guerra? Podemos parar com o circo? Um amigo garante-me que ouviu o seguinte da boca de Francisco George: os portugueses, para enfrentar esta vaga de frio, devem ter “uma lanterna e um rádio à mão”. Como assim, lanterna e rádio? O frio vai mesmo trazer o apocalipse zombie?