IGREJA
O Papa é verde? Os ecologistas dizem o que pensam
A primeira Encíclica de Francisco é dedicada ao Ambiente. O Papa apela a uma “conversão ecológica”, em defesa dos mais pobres e das gerações futuras. Os ambientalistas portugueses aplaudem e esperam que as palavras do Papa tenham consequências
TEXTO CARLA TOMÁS e ROSA PEDROSO LIMA
Laudato Si (Louvado sejas). Sobre o Cuidado da Casa Comum», é assim que se chama a primeira Encíclica exclusivamente escrita pelo Papa Francisco. Mais, uma vez, Jorge Bergoglio consegue surpreender o mundo com o primeiro texto apostólico totalmente dedicado à Ecologia. Mas, desenganem-se os que pensam que o Papa mudou o alvo dos seus interesses. Neste texto, como em todas as intervenções de Francisco, são os pobres que continuam no centro do seu discurso. Eles e o poder económico e financeira que, de novo, é fonte de todas as críticas.
“O que está a acontecer põe-nos perante a urgência de avançar numa corajosa revolução cultural”, diz Francisco a meio das 192 páginas da Encíclica que, hoje mesmo foi divulgada em Roma. O Papa faz uma longa descrição dos problemas ambientais que atingem o planeta, desde a desflorestação, à extinção de recursos naturais, às alterações climáticas que junta ao debate sobre as questões do poder, da economia ou os dilemas sociais e de fé.
“Tudo está ligado”, diz o Papa. “Toda a abordagem ecológica deve integrar uma perspetiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos” e, claro, tem de ter em conta que são os pobres os mais afetados pelos sucessivos erros cometidos contra o Planeta. O Papa convoca cristãos, mas também os governos e os líderes mundiais a agir. Contra a “ganância”, o “poder da economia, da finança e da tecnologia” ou dos “demasiados interesses particulares” que prevalecem no jogo mundial.
Afinal de contas, a situação é grave. O desequilíbrio de forças está a criar “um cenário favorável a novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações”, diz.
Ambientalistas gostam
“Em resumo: o Papa Francisco lembra que Deus perdoa sempre, o homem perdoa de vez em quando e a natureza nunca perdoa”, sublinha Eugénio Sequeira, lembrando que “quando age contra a natureza, o homem está a destruir-se a si próprio”. O ex-dirigente da Liga para a Proteção da Natureza, católico e ambientalista, aplaude o texto do Papa Francisco, e só lamenta “que não tenha vindo mais cedo”, uma vez que "há muito assistimos ao desrespeito pelo direito dos que hão de vir”. O ambientalista recorda ainda o “Genesis” e o episódio da Arca de Noé “como alegoria de que o comportamento dos homens leva à catástrofe”.
Para Marlene Marques, presidente do GEOTA, esta Encíclica “é o corolário da posição da Igreja Católica desde João XXIII”. A ambientalista e professora universitária salienta “a importância ecuménica do documento”, já que “o papa apela à participação de todos os homens de boa vontade, crentes e não crentes para uma causa comum”. A ambientalista também sublinha a chamada de atenção para “o consumo insustentável, a valorização excessiva do lucro e a delapidação de recursos naturais”. Agora tem a esperança de que as palavras do Papa surtam efeito positivo numa altura em que as negociações em torno das alterações climáticas estão na reta final.
Com a cimeira do Clima de Paris marcada para o final deste ano, o documento manda uma série de recados aos líderes mundiais. Por isso, Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, espera também que as palavras do Papa “tenham alguma influência nas negociações, uma vez que a Encíclica dedica particular atenção às alterações climáticas e às consequências que estas têm para as pessoas mais pobres do mundo”. Para o geofísico “é muito importante a chamada de atenção do Papa para a necessidade de mudarmos de estilo de vida e de apelo a menor consumo e esbanjamento de recursos para termos um planeta sustentável”.
Também o ex-ministro do Ambiente Nunes Correia aplaude a encíclica, afirmando que “este Papa é um homem extremamente arguto” e que o timing desta encíclica “não seja casual”.
E João Branco, presidente da Quercus, recorda também que Bento XVI tinha produzido um documento “em que considerava toda a criação sagrada e, como tal, a destruição de ecossistemas, habitats ou espécies um pecado”. Apesar de se congratular com a mensagem do Papa Francisco, João Branco teme que “não passe de uma mensagem política sem consequências”. E manda um recado à Igreja Católica em Portugal para “ouvir bem o Papa”, já que “é detentora de grandes propriedades florestais nas quais não segue as boas práticas ambientais”.
Não é a primeira vez que um Papa se preocupa com as questões ambientais e Francisco lembra-o na introdução do documento. Entre as reflexões dos seus antecessores, chama a atenção para as de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI que, por sua vez, as recolheram “de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões”.