JUSTIÇA
“Estar preso foi o suficiente para me deixar marcas muito profundas”
Três dias depois de ter sido libertado, o empresário português Tiago Guerra revela ao Expresso Diário como foram os meses passados na prisão em Díli. E reclama a sua inocência das acusações de branqueamento de capitais
TEXTO HUGO FRANCO
O empresário Tiago Guerra era até esta segunda-feira o único cidadão português nas cadeias timorenses. Foi detido com a sua mulher no aeroporto de Díli a 18 de outubro quando se preparavam para abandonar o país com os dois filhos, depois de terem planeado um regresso a Macau e ao fim de vários anos a viver em Timor. A mulher, Fong Fong, ficou em liberdade mas foi impedida de sair do país, enquanto as crianças acabaram por ser trazidas pelos avós para Portugal. Tiago Guerra ficou em prisão preventiva.
A sua prisão está relacionada com uma empresa de consultoria financeira que o português tem em Macau e que terá servido de intermediária numa transferência financeira a um antigo consultor do Governo de Díli, Bobby Boye, um norte-americano de origem nigeriana que foi detido nos EUA há um ano.
Em março, a família iniciou uma campanha nas redes sociais para a sua libertação, enviando cartas para o Governo de Timor-Leste e de Portugal. No início da semana, o empresário foi libertado mas não poderá sair daquele território enquanto o caso estiver em investigação e terá de se apresentar às autoridades uma vez por semana. “Estou mais do que tudo empenhado em ficar em Timor para provar a minha inocência”, diz Tiago Guerra ao Expresso Diário.
É culpado ou inocente das acusações de branqueamento de capitais feitas pelas autoridades timorenses?
Por ora, contra mim e contra a minha esposa, não existe ainda acusação formal seja de que crime for. Apenas foi alegada a existência de indícios da prática do crime de branqueamento de capitais, e cuja inocência reclamamos.
Porque razão foi acusado por desvio de dinheiro (cerca de 900 mil dólares) ao Estado timorense?
Estou a ser investigado por determinados factos, os quais, espero que compreendam, não posso revelar por estar ainda a correr um inquérito que se encontra em segredo de justiça, mas que certamente irei conseguir explicar. Como disse, não tenho dúvida nenhuma da minha inocência e isso certamente que mais cedo ou mais tarde vai acabar por vir ao de cima.
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Não tenho dúvida nenhuma da minha inocência e isso certamente que mais cedo ou mais tarde vai acabar por vir ao de cima
Sente-se traído, ou perseguido, por alguém neste processo?
Em primeiro lugar nunca fiz nada na minha vida que pudesse levar a que alguém me quisesse trair ou perseguir. Em segundo lugar, continuo a estar convicto de que fui apanhado numa corrente de mal entendidos cujo esclarecimento é neste momento a minha prioridade de vida.
Sofreu algum tipo de maus tratos durante os oito meses que esteve em prisão preventiva?
A prisão é certamente o último lugar do mundo onde qualquer cidadão gostaria de estar, porque as limitações são muitas. Mas não fui maltratado. Simplesmente estive numa prisão, que como tantas outras espalhadas pelo mundo é reveladora de quão difícil é viver privado da liberdade.
Pode relatar algum episódio durante estes oito meses na prisão que tenha deixado marcas mais negativas?
Uma prisão é sempre uma prisão e por melhores condições que tenha ou por maiores que sejam os esforços da entidades governamentais para gerirem o espaço e os presos da melhor maneira possível. Um qualquer cidadão comum como eu nunca vai conseguir descrever de forma fiel uma qualquer prisão, porque a natureza do homem não o capacita para descrever algo que é limitador do seu bem mais precioso: a liberdade.
E, estar preso por si só, foi o suficiente para me deixar marcas muito profundas, quer no corpo quer na alma.
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A Justiça está nas mãos dos homens de Timor que por aqui vão fazendo justiça. À semelhança do país que é Timor, também a justiça crescerá no sentido de não se cometerem erros
Sabe se vai poder voltar para Portugal?
Sim, certamente que irei poder regressar a Portugal, minha terra natal, e espero faze-lo o mais depressa possível. Mas de momento para além de estar sujeito à apresentação semanal junto do Ministério Público e proibido de sair de Timor, estou mais do que tudo empenhado em ficar em Timor para provar a minha inocência.
Quer regressar?
Como todo emigrante, claro que quero regressar. Sobretudo porque de momento estou longe dos meus dois filhos e isso custa mais que tudo.
O que pensa da Justiça timorense? Em Portugal tudo teria sido diferente?
O país é um dos mais recentes à face da terra, e como tal está em construção/ reconstrução, incluindo o sistema judicial, razão pela qual não pode ser comparado com qualquer outro país. A Justiça está nas mãos dos homens de Timor que por aqui vão fazendo justiça. À semelhança do país que é Timor, também a justiça crescerá no sentido de não se cometerem erros.
O que se segue agora no seu processo?
Obviamente que o próximo passo é mostrar ao mundo a minha inocência.
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