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Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

Três notas sobre a resposta do “Correio da Manhã”

A direção do "Correio da Manhã" respondeu ao meu artigo de quinta-feira sobre o texto publicado por Fernanda Câncio na revista "Visão". Como mandam as regras, foi publicada aqui. Congratulando-me pelo tom sóbrio utilizado, é hoje, em edição diferente, como também mandam as regras, que respondo. À única questão factual levantada e a duas questões deontológicas.

A direção do "Correio da Manhã" afirma, nesta resposta, o seguinte: “Fernanda Câncio não só foi contactada por jornalistas do CM de cada vez que escrevemos sobre ela como a convidámos, mais do que uma vez, para participar em programas da CMTV. De todas as vezes que foi contactada, Fernanda Câncio não quis comentar, não atendeu o telefone ou meramente mostrou o seu desagrado pelo teor das perguntas, anunciando queixas nos órgãos reguladores ou de representação dos jornalistas, bem como uma providência cautelar (que perdeu) contra jornalistas do CM.”

Não tendo estado envolvido e não havendo registos dos telefonemas, apenas me posso fiar na palavra do “Correio da Manhã” ou na de Fernanda Câncio, que diz exatamente o oposto. Segundo o que a jornalista tornou público, o primeiro e único contacto do “Correio da Manhã” foi feito depois da publicação do seu artigo na "Visão". Alguém tem de estar a mentir. O leitor dará a credibilidade a quem entender. Sendo certo que, para o que escrevi, apenas interessam contactos prévios à publicação de notícias para Fernanda Câncio reagir a factos que a envolvessem, dando-lhe a oportunidade de expor a sua versão, como mandam as regras deontológicas.

Fico-me pelos dados objetivos que tenho. Pelo menos nas principais notícias que consultei na versão impressa do “Correio da Manhã” sobre Fernanda Câncio não li, como é habitual nestes casos, nenhuma referência a tentativas frustradas de contacto. Como a minha memória me pode trair, recorro a outro facto. Na deliberação do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sobre a queixa feita por Fernanda Câncio pode ler-se isto: "O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas lamenta igualmente que perante as informações recolhidas pelo ‘Correio da Manhã’ não tenha sido exercido o princípio do contraditório e que a jornalista Fernanda Câncio não tenha sido contactada sobre os factos que envolviam o seu nome. Com esta forma de proceder os jornalistas puseram em causa o dever de obedecer aos princípios da imparcialidade e do contraditório." Que eu tenha reparado, o "Correio da Manhã" não contestou esta afirmação, feita numa deliberação oficial do Conselho Deontológico. Pelo contrário, a declaração que conheço é a do diretor Octávio Ribeiro, quando um jornalista do “i” lhe recordou as queixas de Fernanda Câncio por não ter sido contactada: “Não? Então foi uma grande falha nossa.”

A direção do “Correio da Manhã” defende que a constituição de jornalistas como assistentes no processo tem respaldo na “doutrina jurídica e na jurisprudência nacionais e internacionais, bem expressas em decisões dos tribunais portugueses, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.

A minha opinião sobre a possibilidade de jornalistas se constituírem como assistentes para terem acesso à informação do processo e violarem o segredo de justiça foi dada no artigo e é evidente que há, nesta matéria, uma discordância entre mim e a direção do "Correio da Manhã" (mas não só com eles). Mas se houve alguém que se encarregou de minar esta forma de chegar à informação (não se trata propriamente de investigar) foi o próprio "Correio da Manhã". Ao usarem o estatuto de assistente para, em simultâneo, requererem a constituição de Fernanda Câncio como arguida, os jornalistas do "Correio da Manhã" passaram a comportar-se como parte no processo, comprometendo de forma irremediável a sua independência e negando todos os argumentos que apresentam em defesa deste expediente para recolher informação. Tal facto, bastante sublinhado no meu artigo, não é referido na resposta do jornal. Suspeito que a direção do “Correio da Manhã” sabe como é indefensável, à luz de qualquer critério jornalístico, esta confusão de papéis.

A direção do “Correio da Manhã” defende que “as escutas e os factos” que utilizou “foram validadas pelo juiz de instrução por serem determinantes na produção de prova no inquérito” e por serem “da maior importância para o debate público do caso”. E sublinha que não usaram “factos da vida íntima dos sujeitos processuais”.

O facto das escutas serem validadas por um juiz só quer dizer que estavam no processo. Se não tivessem sido validadas o "Correio da Manhã" não teria acesso a elas, por isso esta afirmação é uma redundância. Sim, foram validadas pelo juiz por este as considerar “determinantes na produção de prova no inquérito”, não por serem “da maior importância para o debate público do caso”. Serem validadas para serem usadas no processo não quer dizer sejam validadas para serem usadas no "Correio da Manhã". Custa a acreditar, mas são coisas diferentes. Quanto ao respeito pela intimidade, suspeito, por muitos episódios recentes, que os meus limites sejam muito diferentes dos do “Correio da Manhã”. Mas o mundo não está totalmente perdido: o "Correio da Manhã", de forma não declarada e talvez involuntária, parece reconhecer que nem tudo o que foi validado por um juiz, ainda mais referente a uma pessoa que não está a ser investigada por qualquer crime, pode ser usado pela comunicação social. Começa-se sempre por algum lado.

Os dois restantes pontos referidos pela direção do “Correio da Manhã” são considerações sobre a qualidade e idoneidade do seu jornal, que não me merecem maior reflexão do que a já feita no meu artigo.