Acordo

No calçado acaba a desigualdade de género (ou talvez não)

O Governo diz que a fileira do calçado é um "farol de inovação" na sequência da assinatura do acordo de igualdade de género Foto Lucília Monteiro

O Governo diz que a fileira do calçado é um "farol de inovação" na sequência da assinatura do acordo de igualdade de género Foto Lucília Monteiro

A Associação dos Industriais do Calçado fala em “acordo histórico”. A frente sindical admite que as coisas estão a melhorar, mas sabe que continuará a haver diferenças. Os empresários preferem dizer que a regra é distinguir o trabalhador em função do trabalho feito e não do sexo

Texto Margarida Cardoso Foto Lucília Monteiro

Na indústria do calçado, patrões e sindicatos negociaram um novo contrato coletivo que prevê, pela primeira vez, “igualdade remuneratória para os trabalhadores que desempenham funções do mesmo nível de classificação profissional, independentemente do género”.

É “um acordo histórico”, diz a associação sectorial APICCAPS sobre o novo contrato, assinado esta terça-feira com a FESETE (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal), na presença do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, numa altura em que o Governo prepara penalizações para empresas que paguem menos a mulheres que a homens.

Para os empresários do sector contactados pelo Expresso, mais do que a diferença de género, a regra é valorizar a qualidade profissional dos trabalhadores. “Diferenciamos o salário em função do trabalho que fazem e não do sexo”, diz Joaquim Moreira, da Felmini, fábrica de Felgueiras com 180 trabalhadores e um volume de negócios de 10 milhões de euros.

Manuel Silva, da Armando Silva, em S. João da Madeira (volume de negócios de 4 milhões de euros), reitera a mesma convicção e diz que entre os 80 trabalhadores da sua empresa até há mulheres que já ganham mais do que os colegas do sexo masculino “simplesmente porque trabalham melhor”. A regra, aqui, é “analisar cada caso em função do desempenho”, afirma.

Ministro Vieira da Silva destaca o facto de ser a primeira vez que um sector consagra a igualdade de género num contrato coletivo de trabalho e por isso classificou a fileira do calçado como “um farol de inovação”

O quadro atual, como explica Vasco Sampaio, do grupo Sozé, com 160 trabalhadores e vendas na ordem dos 10 milhões de euros, comporta diferenças salariais entre homens e mulheres em função da categoria. Porquê? Em regra, as secções de costura ou acabamento são femininas e estas profissões têm salários mais baixos do que a de montador, maioritariamente masculina. “Já em termos administrativos, no escritório não há diferenças de género”, acrescenta o empresário, reconhecendo que o trabalho de costura pode até ser considerado mais complexo do que o de montador.

É essa diferença salarial entre categorias no chão de fábrica que o novo acordo pretende combater. “A partir de agora, na costura, nos acabamentos, no corte ou na montagem, os salários base passam a ser os mesmos”, explica Fernanda Moreira, do Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio de Calçado, Malas e Afins, ligado à FESETE.

Para quem, como ela, acompanha o dia a dia das empresas, o quadro geral tem vindo a melhorar. Em 2016, por exemplo, foi possível colocar uma operadora de costura de primeira a ganhar, na tabela oficial, exatamente os mesmos 546 euros que um operador de montagem de segunda. “E, a partir de agora, para a mesma classificação profissional, o salário passa a ser igual independentemente da função, o que significa, por exemplo, que homens e mulheres com a mesma classificação passam, ainda em abril, a ganhar exatamente o mesmo salário”, sublinha.

No entanto, é preciso considerar o facto de isto contar apenas para o salário fixado na tabela, alerta Fernanda Moreira. Quando as empresas pagam acima da tabela, as diferenças existem e poderão continuar a existir.

Avaliar essas diferenças com rigor parece quase uma missão impossível, mas, na sua experiência, a diferença salarial pode ser facilmente de 50 euros, com a mulher a ganhar 650 euros e o homem 700 euros. E a este nível tudo poderá continuar na mesma.

Na assinatura do acordo, o ministro Vieira da Silva destacou o facto de ser a primeira vez que um sector consagra a igualdade de género num contrato coletivo de trabalho e por isso classificou a fileira do calçado como “um farol de inovação”. “O governo está a trabalhar no sentido de, na concertação social, criar instrumentos de estímulo e de redução deste diferencial salarial, que será de 16% a 18% de acordo com alguns indicadores e que terá aumentado depois da crise.”

O “acordo histórico” que a fileira do calçado assinou esta terça-feira vai abranger 38.500, 60% dos quais são mulheres, em 1350 empresas e prevê um aumento salarial médio de 3,45%.

Para Manuel Freitas, da FESETE, os três anos de negociação que permitiram chegar a este acordo foram difíceis. Ao dar luz verde à solução agora encontrada, a FESETE privilegiou a oportunidade de pôr fim à discriminação de género na tabela salarial do calçado em detrimento da percentagem de aumento dos salários.

Na prática, explicou, este aumento médio significa subidas salariais que podem chegar aos 5,3% nas categorias profissionais predominantemente femininas e de 4,5% noutros casos. As percentagens serão ainda mais reduzidas noutras categorias e rondam os 0% nos quadros intermédios e superiores.