Lista VIP. Diretor-Geral confirma sistema de alarme interno, Passos “não crê” que Núncio soubesse
POLÉMICA Brigas Afonso caiu hoje. Mas Passos segurou o secretário de Estado Paulo Núncio FOTO MÁRIO CRUZ/LUSA
O Diretor-Geral da Autoridade Tributária demitiu-se hoje para poupar o Governo mas a sua carta de demissão confirma a existência de um sistema de alarme para proteger certos contribuintes da devassa dos dados. Passos Coelho diz que quer saber quem foi o pai da ideia. E segura o secretário de Estado Paulo Núncio ... na base da fé.
TEXTO ÂNGELA SILVA
A demissão do diretor-geral da Autoridade Tributária (AT) foi talhada para limpar a face do Governo no caso da lista VIP dos impostos, mas acaba por confirmar que, desde setembro, estava na forja um “controlo de acesso aos dados, com mecanismos de alerta de determinados contribuintes”.
O calendário da medida não podia ser mais suspeito: precisamente em setembro, quando a AT “decidiu a abertura de uma auditoria para apurar a origem de uma eventual violação do sigilo fiscal relativamente a Sua Excelência o Primeiro-Ministro” (após rebentar o caso Passos/Tecnoforma), Brigas Afonso conta na carta de demissão que a Área de Segurança da Autoridade Tributária “propôs um procedimento de controlo de acesso aos dados, com mecanismos de alerta de determinados contribuintes e verificação da legalidade das respetivas consultas”. Um mês depois, em outubro de 2014, foi a vez do subdiretor-geral, José Maria Pires, “despachar favoravelmente” um pedido para implementar “medidas definitivas de salvaguarda do sigilo fiscal”.
Na carta que hoje enviou à ministra das Finanças, António Brigas Afonso garante “não ter informado a tutela” dos “procedimentos e estudos internos” que confirma terem estado em marcha, embora diga que apesar de todas as iniciativas eles acabaram por nunca ser implementados. O ex-diretor-geral diz que informou o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, de “que a alegada lista de contribuintes VIP (entretanto anunciada pelos media) não existe nem nunca existiu”.
Passos disse hoje que “o Governo nunca admitiria e nunca teria autorizado um procedimento destes”
O picante vem depois: cumprido o processo de isenção de culpas do Executivo, Brigas Afonso confirma que “a repetição de situações de violação do sigilo fiscal” levou a que fossem “propostas e ponderadas diversas metodologias de segurança”. E diz que foi por sua iniciativa que elas não foram para a frente: “em fevereiro de 2015, decidi dar sem efeito este procedimento por ter concluído que a utilização das tecnologias mais recentes proporcionam auditorias mais eficientes”. Quais, não explicou.
Antes de bater com a porta, o diretor-geral garante que não deixa mecanismos de alerta em vigor. Assim sendo, quem quiser consultar processos fiscais (e só do primeiro-ministro foram 27 consultas à margem da lei, com a carta de demissão do ex-responsável a referir que “67% das consultas foram feitas por curiosidade”), parece não correr para já o risco de fazer disparar campainhas internas de alarme. O pior é que o medo instalou-se nos serviços, segundo os inúmeros funcionários do fisco que nos últimos dias têm desfilado pelos vários fóruns radiofónicos e televisivos.
Ex-responsável pelos impostos afirmou na carta de demissão que 67% das consultas aos dados de Passos Coelho foram feitas por "curiosidade"
Pedro Passos Coelho agarrou a carta de demissão de António Brigas Afonso com as duas mãos. “Fez bem em demitir-se”, afirmou o primeiro-ministro esta tarde, garantindo que “o Governo nunca admitiria e nunca teria autorizado um procedimento destes” e que nunca foi informado de que tais procedimentos estivessem a ser ponderados. “Se nos tivesse dito, o Governo teria dado ordens para que tal procedimento não avançasse”, afirmou o chefe do Governo, que segurou qb o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. “Não creio que tenha havido interferência do senhor secretário de Estado nesta matéria”, afirmou aos jornalistas. Acrescentando: “Não vejo nenhuma razão para duvidar da sua palavra”. Um apoio na base da fé.
FOTO LUÍS BARRA
“Apurar até ao fim” quem é o pai da lista VIP
O que Passos diz querer tirar a limpo é quem foi o pai da ideia. “Isso queremos apurar até ao fim”, afirmou o primeiro-ministro, que aguarda o resultado da investigação ordenada pelas Finanças para o efeito. Nos bastidores da maioria, há rumores de que tudo isto começou ainda no tempo do anterior Governo. E correm críticas em surdina a Paulo Núncio pela forma como geriu todo este processo, primeiro garantindo não haver listas nem procedimentos VIP e depois acabando a ter que admitir o contrário e a aceitar uma auditoria que Maria Luís Albuquerque percebeu ser obrigatória.
Paulo Ralha, do sindicato dos trabalhadores dos impostos, aponta o dedo a Núncio, que considera ter sido “desautorizado” pela ministra das Finanças, quando esta pediu uma auditoria à Inspeção Geral de Finanças, depois do secretário de Estado ter dito que não era preciso auditar nada. E isto tudo aconteceu no mesmo dia: a última segunda-feira. Segundo Ralha, o diretor-geral, que se demitiu, é “o menos culpado” em todo este processo. E quem deve explicações é Paulo Núncio e o subdiretor-geral, José Maria Pires, que o Expresso não conseguiu contactar.
A revista Visão divulgou entretanto on line uma gravação audio do chefe de serviços de auditoria do fisco, onde este, a 20 de janeiro último, confirma a existência de uma lista VIP de contribuintes bem como a audição em tempo recorde aos funcionários que acedam aos dados desses contribuintes. Paulo Núncio e Brigas Afonso vão ser ouvidos no Parlamento na próxima sexta-feira.
O Diretor-Geral da Autoridade Tributária demitiu-se hoje para poupar o Governo mas a sua carta de demissão confirma um sistema de alarme para proteger certos contribuintes da devassa dos dados. Passos Coelho diz que quer saber quem foi o pai da ideia. E segura o secretário de Estado Paulo Núncio ... na base da fé.