AIMinho
Como uma associação de empresários vai à falência
A Associação Industrial do Minho agonizava e sofreu um golpe fatal quando foi apanhada por uma operação do Ministério Público por suspeita de fraude desvio de fundos europeus. O Novo Banco cravou o último prego no caixão da associação patronal
Texto Abílio Ferreira
Esta era uma morte anunciada desde 2013, o ano em foi abalada por uma operação da Polícia Judiciária, à procura de evidências de fraude e irregularidades na aplicação de fundos comunitários. Na altura, a Associação Industrial do Minho (AIMinho) já agonizava, esmagada por uma dívida à banca de €12 milhões e sofrendo com redução abrupta de receitas que dependiam de programas financiados. “Só um milagre evitaria o colapso”, reconhece ao Expresso um dos elementos da última direção.
A investigação do Ministério Público (MP) foi um duro golpe porque congelou reembolsos aprovados e impediu novas candidaturas. A atividade tornou-se residual. Antes, a associação já apresentara ações contra o Estado, que não chegaram a julgamento, para desbloquear os pagamentos em atraso, da ordem dos €800 mil.
CGD e Novo Banco mudam de opinião
Sem dinheiro na tesouraria, a associação deixou de pagar juros à banca e apelou aos credores - a CGD e o Novo Banco - o perdão de 80% da dívida, no âmbito do Plano Especial de Revitalização (PER) que apresentou no início de 2017. Em setembro, a salvação foi chumbada por larga margem (98%). A CGD (€6 milhões), que beneficia de hipotecas, votou contra, o Novo Banco (€5,6 milhões) absteve-se. O espetro da falência adensou-se.
Um ano depois, a assembleia de credores confirmou na passada semana a liquidação, rejeitando a nova tentativa de viabilização que precisava de dois terços de votos favoráveis.
Mas, há aqui uma subtileza singular. Desta vez, a CGD votou pelo milagre da salvação e foi o Novo Banco quem cravou o último prego no caixão. Com esta votação no PER, a associação tinha sobrevivido. A CIP- Confederação Empresarial de Portugal e o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) votaram a favor.
Sede, pavilhão e parque em Monção
A liquidação levará à venda da sede em Braga, que funcionava como centro de negócios, e do pavilhão de exposições em Viana do Castelo, avaliados em perto de €4 milhões. Sobra ainda o embaraço do Minho Park Monção, um investimento em parceria com a Câmara local. A associação detém 90% da sociedade promotora de um parque (90 hectares) de terceira geração que se encontra parcialmente loteado, mas sem empresas instaladas. A Câmara de Monção quer evitar que o Minho Park se transforme num elefante branco, mas a resolução do impasse depende da intervenção do governo central.
A liquidação segue o infeliz destino que marcou outras associações, como a Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC) ou a AERSET - Associação Empresarial da Região de Setúbal cujo espaço foi, entretanto, ocupado por uma nova organização. Mas, a AIMinho, com 2000 associados, era de outro campeonato e o seu caso adquire um caráter singular, pela relevância do tecido empresarial que representa. Fundada em 1975, teve origem no Grémio das Indústrias Metalúrgicas de Braga (1956) e ganhou rapidamente protagonismo no associativismo patronal
As coisas “são como são”
António Marques, com uma carreira na gestão bancária ligada ao universo Espírito Santo (com passagens pela seguradora Tranquilidade e BIC) e uma militância partidária no PSD que o levou a vogal da Comissão Política de Manuela Ferreira Leite, ficará na história da AIMinho como o seu último presidente. Uma cortesia que dispensava. “As coisas são como são. Mas, sobre isso não farei comentários”, reage ao Expresso, remetendo para o comunicado que a associação divulgou após a sentença judicial.
No comunicado, a Comissão Executiva (CE) explica que a banca “não aceitou as propostas apresentadas para renegociar o insustentável passivo”. Adicionalmente, no âmbito do inquérito do MP “a Agência de Coesão suspendeu os pagamentos dos projetos executados” e, como medida de coação, a associação “ foi proibida de apresentar novas candidaturas”.
António Marques preside à AIMinho desde 2002, em representação da Yeastwine, a empresa de leveduras para vinho que fundou. Anunciou que não se recandidatava nas eleições de 2017, mas a ameaça de falência impediu que surgissem interessados. A última CE contava com representantes de empresas de tintas (Argacol), balanças (Balanças Marques), metalomecânica (O Feliz) e embalagens (José Neves & Cia)
O falhanço de um modelo de negócio
O que falhou? O modelo de negócio e o modelo de gestão. Com o dinheiro de Bruxelas a jorrar e a economia em expansão, a AIMinho seguiu o entusiasmo que invadiu o movimento associativo patronal e que conduziu, de resto de resto, a AEP - Associação Empresarial de Portugal (que recorreu ao PER em 2013) e a AIPortuguesa a lidarem com sufocos financeiros e processos de emagrecimento.
Enveredou pela empresarialização, evoluindo da prestação de serviços aos associados para uma lógica de grupo e mercado, atuando numa base alargada de negócios (até nos parques empresariais) e transformando-se em “organismo intermédio” entre o Estado e as empresas na aprovação de candidaturas a programas comunitários.
O modelo exige estruturas pesadas, custos de funcionamento elevados que gera défices de exploração se a atividade se ressente. A AIMinho mais de 70 assalariados, de proceder na década passada a um despedimento coletivo - no momento da liquidação, são cinco os credores laborais.
Este modelo leva a que a atividade dependa do financiamento bancário. Entre a aprovação dos ações financiadas e o recebimento do dinheiro decorre um lapso de tempo alargado em que é preciso pagar à estrutura.
A operação tem ainda o risco de haver despesas não elegíveis ou validadas que reduzem o reembolsos ou até projetos que sofrem redução da comparticipação. A AIMinho sofreu um revés na década passada quando duas ações não foram amortizadas por não terem sido elegíveis para comparticipação.
Gerir a dívida e pagar juros
Em 2002, António Marques herdou uma organização já alavancada, que crescera com recurso ao crédito. Nos últimos 12 anos, a associação “pagou €6,7 milhões de juros à banca” e “limitou-se a gerir o passivo bancário que cristalizara há muito nos €11 milhões de euros”. A reorganização “levara a uma exploração positiva”, mas era impossível “gerar resultados para abater à dívida”, diz uma fonte da CE.
O “desfasamento entre as despesas suportadas e os reembolsos do Estado foi decisivo para este desfecho” devido aos juros elevados que pagava à banca.
Sem “a dimensão, ativos e influência de organizações como a AEP ou AIPortuguesa” a AIMinho tornou-se, segundo um empresário de Braga, no exemplo no movimento associativo de que “as más práticas não são mais toleradas”.
Teia empresarial
No processo de emagrecimento da década passada, a AIMinho encetou um processo de autonomização de departamentos, incubando sociedades satélites em parceria com diretores que para lá migravam. As empresas tornaram-se fornecedoras regulares da AIMinho. As suspeitas de cumplicidades e adjudicações por valores inflacionados colocaram a AIMinho na mira do Organismo de Luta Anti-Fraude da União Europeia (OLAF).
A política expansionista adensava a complexa teia empresarial em que se movia o universo AIMinho que levaria, anos depois, à operação em larga escala do MP por indícios, a partir de uma denúncia, de fraude e desvio de fundos europeus.
A investigação do MP segue o rasto a faturas fictícias, fuga ao fisco e a atribuição indevida de subsídios. O recurso a faturação cruzada e contratos em cascata entre organizações e sociedades participadas pela AIMinho terão empolado os custos dos projetos financiados. Suspeita ainda que entidades contratadas recorreriam a pessoal da associação para executar os projetos.
O processo envolve dezenas de entidades e de arguidos. António Marques é um deles e terá pago uma caução de 500 mil euros. O inquérito, segundo uma fonte próxima de um dos visados, “monta uma narrativa a partir de dois ou três factos verdadeiros e teremos de aguardar pelo despacho de acusação para avaliar a dimensão da megafraude”.