Henrique Raposo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

As férias de Schulz

Contactos do autor

Em janeiro, o guião entrou nas redações e nas boas consciências: Martin Schulz iria fazer ao SPD o que Cristo fez a Lázaro e, pelo meio, derrotaria a infame Angela Merkel, mostrando que o velho centro-esquerda tem futuro. Lamento, mas o guião está de novo errado. É verdade que a queda do centro-esquerda alemão não é absoluta como em Inglaterra e França; o SPD ainda é um partido (ao contrário do PSF) e não é um número de circo (ao contrário do Labour). Mas continua em queda. É uma queda em câmara lenta, mas é uma queda. Schulz já perdeu eleições regionais em três estados, Saarland, Schleswig-Holstein e, acima de tudo, Renânia Norte Vestefália. Este é o maior estado da federação, comporta quase um quarto da população, 18 milhões (Dortmund, Dusseldorf, Colónia, Leverkusen, etc.) e produz um quinto do PIB; é um bastião industrial historicamente dominado pelo SPD e pelo seu sindicalismo. Além disso, é o estado natal de Schulz. Mesmo assim, o SPD foi derrotado no domingo.

O SPD governava (Hannelore Kraft) a partir dos 39% das eleições anteriores, mas caiu para 31%. Ao invés, a CDU local (Armin Laschet) passou de 26% para 33%. E a viragem à direita também se deu nos partidos mais pequenos: os liberais subiram, os verdes desceram e a extrema-direita (AfD) conseguiu na sua primeira eleição uma marca interessante (e perigosa) - 7,4%. Não é difícil imaginar que os velhos operários que deixaram o SPD estão nestes 7% da extrema-direita. Além das questões económicas pós-industriais (indústria pesada substituída por biotecnologias, logística e telecomunicações), estes resultados não podem ser desligados do grande incidente sexual que ocorreu em Colónia há dois anos (centenas de mulheres sexualmente abusadas na noite de ano novo por muçulmanos residentes - não por refugiados). A CDU, aliás, fez campanha com base nessa insegurança, impondo o seguinte quadro mental: ordem da CDU versus desordem do SPD. Mais uma vez, é o centro-direita que não tem medo de responder ao óbvio sentimento de insegurança produzido pelas comunidades muçulmanas. O centro-esquerda sente-se perdido nesta questão, mesmo quando está em causa a mais básica liberdade das mulheres.

Por outro lado, os eleitores não compreendem a mensagem ambígua do SPD no campo económico. O SPD promete programas de apoio social (ex.: educação gratuita da creche à universidade) mas não diz como serão financiados; e não é claro em relação aos impostos. Se somarmos todas estas parcelas, é cada vez mais evidente que Merkel formará de novo governo com os seus aliados à direita (os liberais do FDP) e talvez com os Verdes. O SPD precisa de férias.