MIGRANTES E REFUGIADOS

Europa tenta concluir acordo com a Turquia. Amnistia fala de “plano vergonhoso”

À ESPERA Refugiados sírios em Idomeni, na fronteira entre a Grécia e a Macedónia FOTO EPA

À ESPERA Refugiados sírios em Idomeni, na fronteira entre a Grécia e a Macedónia FOTO EPA

A crise migratória vai dominar a cimeira de quinta e sexta-feiras em Bruxelas. Ainda há questões em aberto no acordo com Ancara para travar o fluxo de ilegais. Devolver refugiados sírios à Turquia é um dos pontos mais sensíveis em cima da mesa

TEXTO SUSANA FREXES, correspondente em Bruxelas

A Amnistia Internacional fala de uma intervenção de “cosmética”. A organização diz que as “melhorias” feitas ao acordo entre a União Europeia e a Turquia, durante a última semana, não conseguem esconder o “vergonhoso plano para uma devolução em massa de refugiados à Turquia”.

Um dos pontos mais polémicos do acordo diz respeito à deportação de todos os que chegarem de forma ilegal às ilhas gregas, oriundos da Turquia, sejam eles migrantes económicos ou requerentes de asilo.

A proposta, feita pelo primeiro-ministro turco no passado dia 7 de março, tem estado a ser cuidadosamente avaliada do ponto de vista jurídico, principalmente para garantir que não viola a lei internacional nem o quadro legal europeu.

“Isto significa que os pedidos de proteção internacional têm de ser avaliados individualmente, caso a caso, com o direito a recurso e com a garantia de que não haverá “non refoulement”, disse esta quarta-feira o 1º vice-Presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, referindo-se à garantia de que ninguém pode ser devolvido a um lugar onde a sua vida está em perigo.

A Comissão propõe assim que quer a Grécia quer a Turquia introduzam alterações à legislação interna. A Grécia teria de assegurar que a Turquia é classificada como “um país terceiro seguro”, e as autoridades turcas teriam de garantir que todos os que precisam de proteção internacional têm, de facto, acesso a um sistema de asilo eficiente.

De acordo com a lei europeia, um pedido de asilo pode ser negado se a pessoa em causa já tiver sido reconhecida como refugiada (noutro país europeu) ou se tiver vindo de um “país terceiro seguro”, onde dispõe de “proteção suficiente”.

Para a Amnistia Internacional, o acordo feito com Ancara não é credível se a Turquia for declarada, “num golpe de caneta”, como um país seguro. “Simplesmente não é um país seguro para ninguém, incluindo para os refugiados sírios”, acusa o diretor da Amnistia para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

Mas os líderes europeus e a Comissão Europeia veem nesta proposta uma “medida extraordinária e temporária” para desmantelar o modelo de negócio do tráfico de seres humanos no Mar Egeu, onde muitos continuam a perder a vida.

O próprio presidente da Comissão Europeia defendeu a proposta como uma mudança de jogo. “Deixará de haver um incentivo para que os sírios paguem a traficantes para atravessarem o Mar Egeu. Os que fizerem isso não serão apenas devolvidos à Turquia, mas serão também colocados no fim da lista para a reinstalação”, disse Jean-Claude Juncker, há uma semana, no final da cimeira extraordinária UE-Turquia.

O polémico esquema do “um para um”

A Turquia disponibiliza-se para receber de volta todos os que atravessarem ilegalmente o Mar Egeu até às ilhas gregas. Mas por cada sírio readmitido em solo turco, a UE compromete-se a reinstalar um outro sírio diretamente da Turquia.

A Comissão Europeia propõe agora que os estados-membros criem condições para receber estes refugiados, e lembra que há ainda 18 mil vagas por preencher no esquema de reinstalação acordado em julho de 2015 – de um total de 22 504 lugares. Se for caso disso, os 28 poderão ainda fazer uso das 54 mil vagas disponíveis do âmbito do Mecanismo de Recolocação – de um total de 160 mil lugares.

A Amnistia Internacional critica fortemente esta troca. “Tornar a reinstalação de refugiados dependente do número de pessoas preparadas para arriscar as suas vidas é simplesmente errado”, diz John Dalhuisen. “A UE deveria organizar antecipadamente reinstalações em larga escala a partir da Turquia, em vez de esperar que o país cumpra os critérios de proteção internacional, ou declarar de forma cínica que já está a cumpri-los”.

Acordo discutido ao jantar

O presidente do Conselho Europeu admite que o trabalho prossegue, mas adianta que “ainda há muito por fazer”, para se chegar a um acordo com Ancara que agrade aos 28 estados-membros.

A Turquia pede também mais dinheiro – a somar aos cerca de 3 mil milhões de euros que foram prometidos em novembro –, e que o processo de liberalização de vistos para cidadãos turcos esteja concluído até ao final de junho.

O governo de Ancara gostaria de ver também progressos no debate sobre a adesão do país à União Europeia. No entanto, a chanceler alemã, Angela Merkel, veio hoje deixar claro que "as negociações com a Turquia sobre a entrada na UE estão em aberto, não estão na agenda neste momento".

A reunião desta quinta-feira vai começar por volta das 15 horas de Lisboa. Haverá primeiro um debate sobre a situação económica europeia, que contará com a presença do Presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi. Mas à hora do jantar, o tema no menu será o da crise migratória.

“Também temos de fazer um ponto de situação sobre a rota dos Balcãs, após a decisão da última semana de pôr fim à travessia ilegal de migrantes, tal como sobre o esforço para aumentar fortemente o apoio humanitário à Grécia”, escreveu hoje o Presidente do Conselho Europeu numa carta-convite aos chefes de Estado e de Governo.

Donald Tusk está ainda preocupado que o fim da rota dos Balcãs e o combate ao tráfico no Mar Egeu leve à criação de outras rotas ilegais “por mar e por terra”, a partir da Turquia.

Será também na quinta-feira que os líderes europeus terão de se entender entre si quanto ao acordo com as autoridades turcas, uma vez que, na sexta-feira de manhã, o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoğlu, estará em Bruxelas, para finalizar um entendimento.