ISRAEL

Netanyahu forçou eleições. E corre o risco de as perder

VOTAÇÃO Para os soldados israelitas que estão em serviço, a votação já decorreu, como neste caso, numa base do exército junto ao kibbutz Urim, perto do território palestiniano da Faixa de Gaza FOTO JIM HOLLANDER/EPA

VOTAÇÃO Para os soldados israelitas que estão em serviço, a votação já decorreu, como neste caso, numa base do exército junto ao kibbutz Urim, perto do território palestiniano da Faixa de Gaza FOTO JIM HOLLANDER/EPA

Israel vai a votos na terça-feira. As últimas sondagens apontam para a derrota do atual primeiro-ministro e para a vitória de uma coligação de esquerda. Resta saber quem terá mais condições para formar um governo de coligação — como sempre Israel tem sido governado desde a sua fundação.

TEXTO MARGARIDA MOTA

Que eleições são estas?

Exatamente 5.881.696 israelitas estão convocados para eleger, esta terça-feira, um novo Parlamento (Knesset). Regra geral, as legislativas em Israel decorrem de quatro em quatro anos — as últimas foram em 2013. Porém, estas são antecipadas, provocadas pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que, em dezembro, solicitou a dissolução do Knesset. Bibi despedira dois membros do seu Governo (o ministro das Finanças, Yair Lapid, e a da Justiça, Tzipi Livni) a quem acusou de fazerem oposição interna. Lapid e Livni tinham-se oposto à compra de um avião oficial. A maioria das assembleias de voto abre às 7 da manhã e encerra às 10 da noite (mais duas horas do que em Lisboa).

Há um vencedor antecipado?

Durante largas semanas, as sondagens apontavam para um empate técnico entre o Likud (direita), de Netanyahu, e a União Sionista, nova coligação de centro-esquerda liderada pelo trabalhista Yitzhak Herzog e que engloba o Hatnua de Tzipi Livni. Na reta final da campanha, a União Sionista tomou a dianteira, sendo-lhe creditados 25 deputados, mais quatro do que o Likud. Ironicamente, a quebra do Likud seguiu-se ao polémico discurso do primeiro-ministro israelita no Congresso dos Estados Unidos, a 3 de março, à revelia da Casa Branca. Também não o ajudou vários escândalos relativos aos gastos do casal Netanyahu na residência oficial em Jerusalém. Várias ilegalidades têm sido apontadas, designadamente de que a primeira dama, Sara, terá ficado com o dinheiro do depósito de vasilhame das garrafas utilizadas na residência.

NETANYAHU Vários escândalos relativos aos gastos dos Netanyahu na residência oficial contribuíram para a queda nas sondagens do atual chefe do Governo israelita FOTO BAZ RATNER/REUTERS

NETANYAHU Vários escândalos relativos aos gastos dos Netanyahu na residência oficial contribuíram para a queda nas sondagens do atual chefe do Governo israelita FOTO BAZ RATNER/REUTERS

Quem será primeiro-ministro?

Netanyahu encabeça a lista do Likud. Yitzhak Herzog é o nº 1 da União Sionista e, em caso de vitória, rodará com Tzipi Livni, a sua nº 2, no cargo de primeiro-ministro. Porém, vencendo Likud ou União Sionista, isso não significa que os líderes serão automaticamente primeiro-ministro. Segundo a legislação, o Presidente israelita atribuirá a tarefa de formação de um novo governo ao membro do Knesset que considerar ter melhores condições para formar um governo de coligação viável. Até à data, nunca um partido conseguiu formar governo por si só. Nestas eleições não será exceção: o Knesset tem 120 membros, pelo que a maioria absoluta de 61 lugares está muito distante dos resultados atribuídos pelas sondagens aos dois principais partidos.

Que partidos podem eleger deputados?

Vinte e seis partidos submeteram uma lista de candidatos ao Comité Central de Eleições, mas para ter uma representação parlamentar cada partido terá de garantir 3,25% do total de votos expressos (até agora a fasquia estava nos 2%), o que corresponderá a quatro deputados. Segundo as sondagens, os partidos com hipótese de atingir essa fasquia são: Likud (direita) de Benjamin Netanyahu; União Sionista (centro-esquerda), de Yitzhak Herzog; Lista Árabe Unida, de Ayman Odeh; Yesh Atid (centro-esquerda), de Yair Lapid; Habayit Hayehudi (direita), de Naftali Bennett; Kulanu (centro), de Moshe Kahlon; Yisrael Beitenu (extrema-direita), de Avigdor Lieberman; Meretz (esquerda), de Zahava Gal-On; e três partidos ultra-ortodoxos: Shas, de Aryeh Deri, Judaismo da Torah Unida, de Yaakov Litzman, e Yahad, de Eli Yishai.

RELIGIÃO Judeus ultra-ortodoxos assistem a um comício em Jerusalém. Há três partidos ultra-ortodoxos a votos FOTO AMMAR AWAD/REUTERS

RELIGIÃO Judeus ultra-ortodoxos assistem a um comício em Jerusalém. Há três partidos ultra-ortodoxos a votos FOTO AMMAR AWAD/REUTERS

Os israelitas árabes podem votar?

Cerca de 20% da população israelita é de cultura árabe. Cidadãos do país, têm direito a votar como qualquer israelita judeu, desde que tenham 18 anos feitos. Os palestinianos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza não podem votar — o primeiro está ocupado por forças israelitas, o último é alvo de um bloqueiro israelita por terra, mar e ar. Já os colonos judeus da Cisjordânia têm direito a voto. Desde a criação de Israel, nunca um partido árabe integrou a coligação governamental, mas, nestas eleições, espera-se um forte aumento da participação dos eleitores árabes. Pela primeira vez, três formações árabes (Balad, Ta’al e Hadash, este um partido árabo-judaico) concorrem coligadas na Lista Árabe Unida, uma consequência da nova regra dos 3,25% que torna a formação de um grupo parlamentar mais difícil e os imulsionou para uma formação única. Segundo as sondagens, deverá ser a terceira maior representação no Knesset.

CAMPANHA Comício na praça Rabin, em Telavive FOTO BAZ RATNER

CAMPANHA Comício na praça Rabin, em Telavive FOTO BAZ RATNER

Quais os principais desafios internacionais do novo primeiro-ministro?

A nível internacional, surpreendentemente, a principal tarefa do futuro primeiro-ministro é recuperar a relação com o seu principal aliado. Seis anos de governação de Netanyahu degradaram como nunca a relação entre Israel e os Estados Unidos. Obama e Netanyahu veem-se, hoje, com grande desconfiança.

Uma segunda grande questão prende-se com o programa nuclear do Irão. Paralelamente ao distanciamento em relação a Telavive, Washington empenhou-se nas negociações com Teerão, que decorrem na Suíça, visando um primeiro acordo sobre o nuclear até ao final de março. Em Israel — potência nuclear não-oficial —, essa eventualidade causa calafrios. No recente discurso no Congresso norte-americano, Netanyahu disse a palavra “Irão” 107 vezes.

Que futuro para o processo de paz israelo-palestiniano?

Benjamin Netanyahu não abandonou a retórica oficial de “Dois Estados para dois povos”, mas na prática tudo fez para a inviabilizar, impulsionando a construção de colonatos na Cisjordânia e ordenando duas operações militares na Faixa de Gaza (2012 e 2014). O diálogo israelo-palestiniano é inexistente e as ações unilaterais dos palestinianos nas Nações Unidas são disso expressão. Tzipi Livni, a nº 2 da União Sionista é grande defensora da solução de dois Estados.