INQUÉRITO BES

Barroso, Arnaut e mais 66 são dispensados de testemunhar sobre o BES

DISPENSADO José Luís Arnaut, afinal não será ouvido na Comissão de Inquérito ao BES FOTO ALBERTO FRIAS

DISPENSADO José Luís Arnaut, afinal não será ouvido na Comissão de Inquérito ao BES FOTO ALBERTO FRIAS

José Luís Arnaut, um dos homens da Goldman Sachs em Portugal, não será ouvido sobre o BES. Durão Barroso e Ricardo Abecassis também não

TEXTO ABÍLIO FERREIRA

José Luis Arnaut, advogado e dirigente do PSD que trabalhava para a Goldman Sachs na altura do colapso do BES, e Nuno Godinho de Matos, o gestor não executivo do BES que confessou sempre “ter entrado mudo e saído calado” nas reuniões, fazem parte dos 68 nomes retirados da lista de audições parlamentares ao BES. A lista de 138 nomes ficou reduzida a metade, em nome da eficácia e da rapidez da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Durão Barroso, os ministros António Pires de Lima (Economia) e Paulo Macedo (Saúde) e elementos da família Espírito Santo foram igualmente descartados. Os deputados prescindiram das presenças do comandante António Ricciardi (pai de José Maria Ricciardi), Maria do Carmo Espírito Santo Silva, apontada como a mulher mais rica de Portugal e uma das principais acionistas do grupo, e de Ricardo Abecassis. Ricardo Abecassis, que dirigia a operação do BES no Brasil, surgira no centro da disputa familiar uns meses antes do colapso do universo familiar, posicionando-se como potencial sucessor do primo Ricardo Salgado.

A Comissão de Inquérito, presidida por Fernando Negrão (PSD), dispensou a maioria das personalidades exteriores ao universo BES que indicara FOTO LUÍS BARRA

A Comissão de Inquérito, presidida por Fernando Negrão (PSD), dispensou a maioria das personalidades exteriores ao universo BES que indicara FOTO LUÍS BARRA

Portas e Ulrich no regresso das audições

A CPI volta a reunir-se amanhã para interrogar o vice primeiro-ministro Paulo Portas, de tarde, e Fernando Ulrich, presidente do BPI, de manhã. Portas será questionado sobre os detalhes da reunião que teve com Ricardo Salgado, em que o ex-presidente do BES terá avisado para consequências na economia da queda do Grupo Espírito Santo. Já se conheciam várias reuniões de Ricardo Salgado com membros do governo, mas o encontro com Paulo Portas foi revelado numa segunda fase, através de uma carta que Salgado enviou à CPI.

Paulo Portas é o segundo membro do governo a responder na CPI, depois da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que voltará a ser ouvida. A ida do primeiro-ministro à comissão foi chumbada pela maioria que, todavia, viabilizou respostas por escrito de Pedro Passos Coelho. O presidente da República é o único titular de cargo público cujas explicações, presenciais ou por escrito, foram chumbadas pela maioria.

O empresário José Guilherme responderá por escrito a um questionário que seguirá esta semana. Vítor Gaspar, Vítor Constâncio, Carlos Moedas e os técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) Paul Thomson, Abebe Selassie e Subil Lall também responderão por escrito aos deputados, tal como sucederá com Jean Claude Juncker, Mario Draghi e Pedro Passos Coelho. O vice-presidente do Credit Agricole, Bruno Bernard de Meux já respondeu por escrito. O responsável da Deloitte pelo auditório forense ao BES será ouvido no caso das conclusões do trabalho serem enviadas para o Parlamento antes da CPI terminar as audições.

As ligações da Goldman Sachs ao BES

No início de 2015, o nome de José Luís Arnault foi associado pelo Wall Street Journal ao escândalo BES e não pelas melhores razões. O jornal dizia que Arnaut desempenhara um papel decisivo para desbloquear empréstimos da Goldman Sachs ao BES em vésperas do colapso do banco.

Em junho de 2014, um mês antes do colapso, o ex-ministro do PSD dizia: “O BES é um banco profundamente estável, um banco robusto com capital e credibilidade”. José Luís Arnaut trabalhava para a Goldman Sachs que se tornara um acionista relevante do BES e emprestara 681 milhões de euros ao banco português. Goldman Sachs e Banco de Portugal estão agora em conflito por este empréstimo ter sido transferido, no final do ano passado, para o “banco mau”. Este enredo conferia ao testemunho de Arnaut um encanto especial. Mas, os deputados descartaram o depoimento e riscaram o nome da lista de audições.

Já o depoimento do socialista Nuno Godinho de Matos, que ficou com a sua conta de 100 mil euros bloqueada no “banco mau” poderia ter a virtude das narrativas coloridas. Godinho de Matos sobressaltara o país com a sua frontalidade, ao reconhecer que durante os seis anos em que fora administrador do BES esteve sempre calado nas reuniões, “tal como os outros administradores”. José Lima Massano, o governador do Banco Nacional de Angola entretanto substituído em Luanda, é outro dos dispensados.

O universo de gestores Espírito Santo leva um corte grande. Por exemplo, Pedro Ferreira Neto, administrador da ESCOM, e João Melo Franco, administrador da Rio Forte, não serão ouvidos no Parlamento. O mesmo se passa com três gestores do Novo Banco que tinham sido convocados e pouco teriam a acrescentar ao depoimento prestado em janeiro pelo presidente, Eduardo Stock da Cunha.

FOTO LUÍS BARRA

FOTO LUÍS BARRA

Razia nas personalidades

O corte registado no capítulo de “Outros Responsáveis Políticos” inclui a do ex-ministro Manuel Pinho, ex-quadro do BES, o único da lista que poderia convocar alguma curiosidade. A dispensa dos ex-ministros socialistas Vieira da Silva, Ana Jorge e Correia de Campos, surge como pacífica. Os três elementos do Banco Central Europeu ligados ligados ao programa de ajustamento foram igualmente dispensados.

A lista de “personalidades” é que regista uma maior razia, com a dispensa, entre outros, de Miguel Cadilhe, Nuno Amado, Artur Santos Silva, José de Matos ou António Mexia. Só Fernando Ulrich não escapou. De fora, ficam também nomes da suíça Akoia, ligados à operação Monte Branco, como Michel Canals e Nicolas Figueiredo.

Passos aconselhou Salgado a reestruturar dívida do GES junto dos credores

Primeiro-ministro relata as duas reuniões que teve com Salgado. Na primeira, o banqueiro queixou-se do Banco de Portugal. Na segunda, pediu ajuda ao Governo para ganhar tempo para as empresas do Grupo Espirito Santo

TEXTO FILIPE SANTOS COSTA

Pedro Passos Coelho já respondeu às perguntas que lhe foram enviadas por escrito pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso BES/GES. Também por escrito, o primeiro-ministro conta a sua versão do que soube, e quando, e como, em relação ao que se passou no banco e no grupo, e relata os seus contactos com Ricardo Salgado, nas duas reuniões em que o banqueiro disse ter-lhe ido pedir ajuda.O primeiro-ministro confirma esses dois encontros em São Bento, “com contornos muito distintos” – no primeiro, Salgado “transmitiu a sua apreensão pela forma como o BdP vinha exercendo as suas funções de supervisão no que respeitava ao BES e à sua equipa de gestão”, mas não pediu nada ao Governo. Na segunda, pediu: o financiamento da Caixa Geral de Depósitos às empresas do grupo Espírito Santo, para ganhar tempo e poder valorizar ativos. A resposta foi não, confirma Passos (tal como Salgado e Maria Luís Albuquerque já haviam contado).Mas Passos foi mais longe, não se limitando a dizer não e a justificar essa recusa (já lá vamos): o PM aconselhou o banqueiro a falar com os credores para reestruturar a dívida. “Recomendei, em qualquer caso, que quanto mais cedo o GES iniciasse uma abordagem prática e direta com os seus principais credores no sentido de organizar o eventual incumprimento, melhor seria para todos e também para minimizar o impacto na economia nacional”. 

As “conversas informais” com Ricciardi

Exactamente o mesmo caminho que José Maria Ricciardi disse na CPI ter defendido internamente nas discussões em família sobre a crise do banco e do grupo.

No seu testemunho perante a comissão, em dezembro, Ricciardi apresentou aquela que era a sua saída quando se detetou o buraco da Espírito Santo Internacional: “Outra governance iria ter com os credores da ESI e dizia: a verdade é esta – ou nos dão mais anos para resolver isto, ou vamos insolver. Os credores, na transparência dos números, decidiriam se queriam dar mais tempo ou não”. Era essa a sua proposta, e “não pedir favores ao governo nem dinheiro aos contribuintes”. Em vez disso, disse Ricciardi, a gestão de Salgado optou por empurrar “a bola de neve para a frente e voltar a tentar disfarçar” os problemas, acabando por tentar recorrer ao Governo. A perspetiva de Passos coincide na perfeição com a do homem forte do BESI.Aliás, questionado pelos deputados sobre os seus contactos com Ricciardi – que assume ser amigo do primeiro-ministro – Passos responde que sim, teve “conversas informais” nas quais Ricciardi “algumas vezes exprimiu a sua incomodidade quanto aos desenvolvimentos sobre a situação do BES e do GES, os quais já eram do conhecimento público”. Mas essas conversas “não envolveram qualquer abordagem específica” ou qualquer intuito de intervenção do Governo.

O “não” a Salgado e as suas razões

Segundo Passos Coelho, a segunda ida de Ricardo Salgado à residência oficial de São Bento destinou-se a “sensibilizar e procurar o apoio do Governo para um plano de financiamento visando acudir ao desequilíbrio económico-financeiro do Grupo Espírito Santo (GES). O plano, apresentado como sendo de saneamento do sector não financeiro do Grupo, pressupunha a disponibilização de linhas de financiamento de longo prazo suportadas por troca de ativos entre diversas entidades bancárias, particularmente a Caixa Geral de Depósitos. A ideia geral parecia ser a de dar tempo ao GES para gerir melhor a sua carteira de ativos, de modo a garantir uma valorização adequada desses ativos e, assim, fazer face às elevadas responsabilidades de curto e de médio prazo”.A resposta foi negativa. “Tal plano, no que respeitava ao Estado, não teria viabilidade tendo em conta variadíssimos aspetos, entre os quais o elevado risco, não aceitável, a disseminar pelo sistema financeiro, bem como a prática impossibilidade de bancos que tivessem sido recapitalizados com recurso a fundos públicos virem a obter, quer do BdP, quer da DGComp, aprovação para operações desta natureza e envolvendo valores tão elevados”, que Passos aponta para “em torno dos 2,5 mil milhões de euros”.“Em qualquer caso”, diz o PM, “afirmei que o Governo nunca interferiria directamente na avaliação e na decisão que a CGD viesse a fazer do caso concreto”. E aconselhou Salgado “a tratar destas matérias com o Governador do BdP”.