Henrique Raposohenrique.raposo79@gmail.com

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

O gordinho

Não é nem deve ser o gordinho de serviço FOTO MARCOS BORGA

Não é nem deve ser o gordinho de serviço FOTO MARCOS BORGA

Nos pátios das escolas, o gordinho costuma ser o alvo preferencial da pancada. Bater no badocha é fácil para o músculo e barato para a ética de cada um: fica-se facilmente impune, porque ninguém na verdade quer saber do badocha; é uma agressão que fica na mais doce impunidade. No nosso espaço público, a direita, em geral, e o PSD, em particular, costumam ser os gordinhos de serviço, os sacos de boxe que toda a gente usa quando dá jeito. E dá sempre jeito culpar a direita, mesmo quando a causa do problema é a evidente fragilidade governativa da esquerda. Não devíamos estar a debater o PSD, não devíamos estar a debater o oráculo de Azurém que advinha o mundo nos serões domingueiros da SIC, devíamos estar a debater um facto político insofismável: foi o PCP que iniciou esta crise, mostrando uma clivagem insanável entre extrema-esquerda e centro-esquerda. O PSD, recorde-se, está na oposição. Aliás, ao escolher governar com PCP e BE, Costa remeteu o PSD para uma oposição clássica que já nada deve ao “arco governativo”.

No enquadramento clássico do regime, o PCP e BE estavam fora do arco governativo por razões óbvias. Os obituários de Soares reavivaram essas razões. Nesse quadro, a direita, sobretudo o PSD, estava sempre presa a uma ética de responsabilidade tramada: estava na oposição, mas era sempre chamada à pedra nas horas h – caso contrário, o PS não conseguia governar e cairíamos num cenário à I República. Ora, foi este arranjo clássico que Costa destruiu para se manter no poder. António Costa rasgou décadas de convenções entre PS, PSD e CDS. Foi Costa que destruiu todas as pontes. Que pontes pode agora o PSD percorrer para chegar até Costa, que, para se aninhar no colinho da extrema-esquerda, queimou as regras não escritas que garantiam um mínimo de respeito entre PS e PSD? Por outras palavras, Costa libertou o gordinho. Já não há gordinho, porque já não há arco governativo.

Se PCP e BE não estão ainda preparados para governar, então temos de ir de novo para eleições, por muito que isso irrite o Marcelinho dos afetos. Esta é a grande questão política. Até porque metade do país não pode ser tratada como o gordinho em quem se pode bater em impunidade. Costa desrespeitou a direita através da maior traição política em décadas. E agora exige à mesma direita que apareça desprovida de orgulho para lhe aprovar uma lei? Isto é transformar o maior bloco político, social e cultural do país (a AD, ou PaF) numa flor na lapela do PS. Não é aceitável nem desejável. A democracia não pode ser o pátio onde o rufia com boa imprensa faz o que quer.