Henrique Raposohenrique.raposo79@gmail.com

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Assad é o mal menor

O que acontece quando o moralismo substitui o realismo FOTO REUTERS

O que acontece quando o moralismo substitui o realismo FOTO REUTERS

O pós-verdade está em Alepo. A narrativa consagrou a ideia de que o único “mau” é Assad, portanto os outros só podem ser “bons”: são os “rebeldes” românticos ou os “insurgentes” tenazes em busca de um mundo livre de opressão. É como se a realidade tivesse a espessura do Star Wars. Será que podemos parar para pensar? Os tais “rebeldes” são terroristas sunitas ligados à Al-Qaeda (al-Nusha, Al-Sham). Como é que se transforma esta escumalha em “rebeldes democratas” envolvidos numa epopeia de resistência ao tirano? Como? Esta narrativa é tão desonesta ou ingénua como aquela que garantia o florescimento da democracia no Iraque depois da intervenção americana. São “insurgentes”? Pois são. Mas a sua insurgência estava a ser feita em nome de uma sociedade à Isis. Ao pé deste radicalismo sunita, o xiismo alauita de Assad sempre foi um mal menor. Era assim há seis anos, é assim agora.

Perante uma guerra civil, uma posição moral digna não passa por declarar com moralismo que um dos lados é “bom” e portanto digno do nosso apoio. Se queremos ser decentes, temos de sujar as mãos e escolher o mal menor. Assad cometeu barbaridades? Claro. Mas os outros também. Não há santos numa guerra civil. Os tais “rebeldes” são assassinos profissionais que massacraram, fuzilaram, decapitaram centenas ou milhares em Alepo; ainda raptaram pessoas para exigir resgates e usaram civis como escudos humanos. Como diz Robert Fisk, não se entende esta disparidade de narrativas entre Alepo e Mossul. Em Mossul fala-se dos massacres do Isis, mas em Alepo ignora-se os massacres dos grupos ligados à Al-Qaeda. Passou a Al-Qaeda a ser um ramo dos Médicos sem Fronteiras?

Assad é um ditador. Mas podem dizer-me qual é a alternativa? Dar o poder ao radicalismo sunita da Al-Qaeda e do Isis? Se o nosso objetivo principal é destruir o Isis – lá e cá – como é que diabolizámos um regime que estava interessado em destruir esse radicalismo sunita? Derrubámos Saddam e criámos caos. Derrubámos Kadhafi e criámos caos. E, mesmo assim, não aprendemos. Não aprendemos a moderar a nossa soberba. Continuamos à procura dos bons e dos maus. Os orientais têm razão: por vezes somos crianças patéticas.