RELATÓRIO DA COMISSÃO EUROPEIA

Falência do BES custaria 46 mil milhões. Novo Banco? É do Estado

Novo Banco O Novo Banco nasceu no dia 3 de agosto, como a “parte boa” do BES. No dia 4, a Comissão Europeia publicava a sua opinião. Que só foi conhecida hoje FOTO LUÍS BARRA

Novo Banco O Novo Banco nasceu no dia 3 de agosto, como a “parte boa” do BES. No dia 4, a Comissão Europeia publicava a sua opinião. Que só foi conhecida hoje FOTO LUÍS BARRA

Relatório da Comissão Europeia é inequívoco: o dinheiro injetado no Novo Banco é do Estado. E é revelador: Banco de Portugal estimou que, sem intervenção, o BES teria custado até 46 mil milhões de euros. É de Bruxelas que ficamos a saber o que as autoridades portuguesas não contaram ainda. Quase mês e meio depois

TEXTO PEDRO SANTOS GUERREIRO, JOÃO SILVESTRE e ISABEL VICENTE

A Comissão Europeia não tem hoje dúvidas: o Novo Banco é financiado pelo Estado Português. Não tem hoje nem tinha a 4 de agosto, dia seguinte à intervenção no Banco Espírito Santo. É desse dia um relatório da Direção Geral de Concorrência que, todavia, só foi tornado público hoje. E que contém várias revelações surpreendentes. Que serão usadas como evidências na investigação ao caso BES.

“Apesar de o Fundo de Resolução ser financiado pelas instituições de crédito participantes e companhias de investimento, o seu financiamento tem uma natureza pública pois o Fundo de Resolução está completamente sob controlo público. A Comissão nota que todos os fundos do Fundo de Resolução são atribuíveis ao Estado. É claramente controlado publicamente e por isso os seus recursos têm de ser considerados recursos do Estado.”

Este parágrafo clarifica que a intervenção no BES é considerada uma ajuda de Estado. E contraria, também, o discurso das autoridades portuguesas, que têm insistido que o Novo Banco é propriedade do sistema financeiro. A Comissão Europeia não aceita o argumento: o seu financiamento, de 4,9 milhões de euros, é do Estado Português. Mas há mais:

“O Estado Português, através do Fundo de Resolução, irá recapitalizar o banco de transição e tornar-se-á o único acionista do banco de transição”, diz Bruxelas. Que logo de seguida clarifica: “Para evitar dúvidas, não haverá injeção de capital no Banco Mau”.

A DGCom conclui pois que a medida de resolução do Banco de Portugal em beneficio do BESW, agora Novo Banco, sob a forma de injeção de capital no novo banco “constitui um auxílio estatal”. E refere que esta solução é compatível com o mercado interno , por razões de estabilidade financeira”, segundo os termos da lei que a acolhe. Daí que a solução encontrada para resolver o problema do BES tenha sido aprovada pela comissão Europeia.

Falência descontrolada do BES custaria 46 mil milhões

Não é esta a única revelação do relatório. Até hoje, o Banco de Portugal nunca esclareceu publicamente se tinha sequer feito estimativas quantificadas de quanto teria custado não intervir no BES. Mas afinal quantificou – no próprio fim de semana da intervenção, como ficamos agora a saber.

A fatura de uma falência descontrolada do BES poderia chegar a 46 mil milhões de euros. As contas foram realizadas pelo Banco de Portugal antes da intervenção no banco e são referidas no documento da Comissão Europeia. Este montante, que representa quase 30% do PIB português, corresponde à soma das perdas que resultariam da falência do banco (estimadas pelo Banco de Portugal entre um mínimo de 16 mil milhões e um máximo de 28 mil milhões de euros) com a necessidade de acionar o Fundo de Garantia de Depósitos (que custaria entre nove e 18 mil milhões de euros).

“As autoridades portuguesas estimam que o cenário contrafactual (a liquidação imediata ou bancarrota) aumente os custos de resolução”, lê-se no ponto 75 da carta. Bruxelas refere ainda “não ter razão para questionar essa avaliação” e sublinha que “a resolução ordeira do BES através da criação de um Banco de Transição [o Novo Banco] e da resolução do Banco Mau [o BES] é a opção com menos custos para Portugal”.

As razões da intervenção

O relatório hoje publicado relata a posição das autoridades portuguesas. Numa carta de 3 de agosto, o Banco de Portugal justificou que “a situação do BES ameaçava a estabilidade financeira e que portanto era urgente uma intervenção, para evitar distúrbios sérios na economia de Portugal”, conta o relatório. “Adicionalmente, as autoridades portuguesas afiançaram que a medida [de resolução do BES] é (i) apropriada e bem definida; (ii) necessária e limitada ao mínimo; e (iii) proporcional pois desenhada para minimizar os efeitos de transvase aos concorrentes”.

Uma das questões mais polémicas das últimas semanas tem sido a data em que a decisão foi tomada. O Banco de Portugal insiste que foi apenas no dia 1 de agosto, quando foi aprovada e promulgada legislação apressadamente dias antes, o que indicia uma decisão anterior. Além disso, e como o Económico revelou na semana passada, a Comissão Europeia teria sido informada a 30 de junho.

A data de 30 de junho aparece referida no relatório de hoje, como vésperas da intervenção, data em que o Fundo de Resolução só tinha 90,4 mil milhões em fundos próprios. Esses fundos eram insuficientes para o banco de transição (o Novo Banco), o que levou o Fundo a levantar 286 milhões junto dos bancos portugueses. O Estado Português concedeu então um empréstimo de 4,5 mil milhões de euros, a partir do Orçamento do Estado.

Naquelas circunstâncias, “nenhum operador privado que agisse numa lógica de mercado participaria no capital do Banco de Transição, dado o facto de o Banco de Transição ser por definição uma instituição temporária com o objetivo de vender todos os seus ativos”.

Administração ganha 15 vezes o salário médio

Quanto à politica de remunerações o Novo Banco diz a Comissão vai aplicar “estritas políticas de remuneração de executivos” . Pelo que “não vai pagar qualquer bónus a nenhum funcionário , diretor ou gerente . E quanto à remuneração salarial, a fasquia não pode ultrapassar 15 vezes o salário médio dos trabalhadores do Novo Banco, durante o primeiro ano, após a sua constituição. No segundo ano a remuneração não poderá ser superior a 10 vezes o salário médio dos trabalhadores do Novo Banco.