Henrique Monteiro

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Equivalências no Superior? Usar com cuidado…

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A questão tomou foros de cidadania com Miguel Relvas e as suas célebres equivalências. Depois, como se sabe, quem com ferros mata com ferros morre, veio parar a muito mais gente. E, no entanto, as equivalências não devem e não podem ficar como algo ilegítimo ou condenável. Nem todas o são – o diretor do Politécnico falou de algumas em relação ao caso do Comandante da Proteção Civil, Rui Esteves, que fazem sentido.

Por exemplo, se uma pessoa tem um curso completo de Inglês, tirado no British, faz sentido dar-lhe equivalência a cadeiras de inglês não literário (o célebre inglês técnico). Algo semelhante se terá passado com Rui Esteves no que respeita à cadeira de Espanhol. O problema não está, pois, nas equivalências em si, mas nisto: quantas são admissíveis por curso e qual a credibilidade de quem as confere. É aqui que Rui Esteves se perde: 32 equivalências num curso de 36 cadeiras é uma aberração!

Vejamos que há Universidades muito consideradas em todo o mundo que permitem doutorandos que nunca concluíram um curso. Porquê? Porque na sua vida, no seu trabalho, nos seus escritos mostrou ter um conhecimento suficiente para isso. Ademais, as grandes universidades, ao contrário do que se passa em Portugal, escolhem os alunos e não pelas médias anteriores, seja no Secundário ou em qualquer outro grau.

Há e sempre houve pessoas sem habilitações académicas que conseguem fazer trabalhos, descobertas, investigações preciosas para áreas do saber as quais lhes devem dar equivalência. Recordo o Padre Manuel Antunes, grande professor de Estudos Clássicos e de História que obteve equivalência a Doutorado pelo seu saber. O próprio Prof. Adriano Moreira, salvo erro, antes de ser doutorado em Espanha, tinha o grau de Prof. Dr. na escola que viria a ser o ISCSP por mérito pessoal.

Coisa diferente é pensar-se que alguém sabe de Ciência Política porque se sentou 10 anos no Parlamento ou cinco no Governo

Coisa diferente é pensar-se que alguém sabe de Ciência Política porque se sentou 10 anos no Parlamento ou cinco no Governo. A Ciência Política exige que se estude muitos autores de que a maioria desta gente nunca ouviu falar, embora por vezes até possa ser influenciada peles seus escritos. Dos antigos Tucídides, ou Platão, passando por Maquiavel, Montaigne, Montesquieu, Burke, Clausewitz, Marx até Nozick, Rawls ou Kissinger (enfim, não pretendo fazer um currículo, porque também não sei), o conhecimento, as influências sofridas e desencadeadas pelos escritos destes pensadores não encaminham ninguém necessariamente para uma carreira política. Penso, até, que será uma boa forma de a desaconselhar.

A questão está, pois, em saber qual a Universidade que está a dar equivalência a, por exemplo, Ciência Política. O curso dessa Universidade tem critério? É reconhecido pelos pares? Pelos melhores?

Vamos a outro exemplo: Alfredo Campos Matos, nascido na Póvoa de Varzim em 1928, pode ser um nome que nada diz à maioria. Licenciou-se em arquitetura, mas é dos maiores especialistas em estudos queirosianos (dedicados a Eça de Queirós). Todos os que gostam dele e todos os que podem não gostar terão de reconhecer esta sua faceta. Caso necessitasse ou lhe apetecesse uma equivalência em Literatura seria errado dar-lha? Tanto mais que os seus conhecimentos se alargam a outros autores, com destaque para António Sérgio.

As equivalências não poderão ser, contudo, a norma. Isso é óbvio. Cada campo do saber tem as suas especificidades. Mas não podem ser diabolizadas, muito menos quando entre cursos diferentes: a História da África Negra do curso de História não é assim tão diferente da Cultura Africana de um curso de antropologia; para não falar da matemática da Faculdade de Ciências, a Análise do Técnico e as Matemáticas de Económicas. Ora não sendo uma norma terá de haver um consenso sobre o limite de equivalências admitidas. Esse consenso devia ser feito entre as Universidades e estas deveriam ter capacidade de recrutar os seus alunos e de lhes conferir cadeiras (até um limite) de acordo com os seus conhecimentos. Mas, atenção, quem nunca estudou, por exemplo, epistemologia (fundamental a muitos cursos) nunca saberá do que se trata, por muito que tenha trabalhado. O conhecimento universitário deveria ser um conhecimento sobretudo teórico (por isso em Inglês o grau de Doutor, o mais elevado, é PhD, ou seja Doctor of Philosophy, ou Doutor de Filosofia em qualquer área do saber). Os cursos práticos e cursilhos deixemo-los para os politécnicos que por isso mesmo não se deveriam equivaler a Universidades nem conferir, provavelmente, os mesmos graus.

Mas esta já é outra conversa.