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Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

O terror cresceu no caos e o caos tem responsáveis

Coordenados ou não, os ataques do Daesh (não lhe chamem Estado Islâmico) e dos lhe são próximos nos países ocidentais têm um valor simbólico. Ainda mais do que tinham os ataques da Al-Qaeda. A diversão, a liberdade sexual e, ontem, em Nice, os fundamentos da democracia. O terror procura atingir todos os valores fundamentais para a humanidade. Sim, leu bem: da humanidade. Foi a humanidade que foi atacada, há poucos dias, de forma bárbara em Bagdad, e ontem em Nice. Não foi apenas o Ocidente e os seus valores.

Os valores que simbolicamente se pretenderam ferir ontem poderão ter nascido na Revolução Francesa e americana, mas não são apenas nossos. O sonho da liberdade, da igualdade e da fraternidade é universal. Manifestou-se na primavera árabe, na revolta timorense, na luta anticolonial africana, na praça de Tiananmen. O Daesh e os terroristas isolados que o acompanham não são apenas inimigos do ocidente. São inimigos da humanidade. Como são todas as ideologias do ódio.

O ódio não ouve os outros e não fala para os outros. Os outros só existem na medida em que sejam carne para um recrutamento acrítico ou alvo para um ataque criminoso. Acontecerá ao Daesh o mesmo que aconteceu a todos os que tentaram vencer pelo terror: acabará afogado em sangue. O problema são as vidas que se perdem entretanto. E os direitos que vamos dispensando, em busca da segurança.

O que fazer para os derrotar? Seguramente temos de ir à fonte da coisa. Não porque os cabecilhas desta abjeção estejam a tentar vingar seja o que for, mas porque é no caos que se reforçam. A paz na Síria e no Iraque, com a derrota do Daesh e uma solução para o Médio Oriente, o combate à miséria em África e uma política decente de integração imigrante deviam ser uma prioridade absoluta. Não só pelos milhares de mortos já provocados – na Europa, nos EUA, mas acima de tudo em África e no Médio Oriente –, mas porque cada atentado destes torna os nossos direitos cívicos e democráticos mais frágeis. Os terroristas sabem-no e querem provocar reação. Querem que fiquemos mais parecidos com eles.

O combate no terreno está a ser feito e até têm vindo, entre carnificinas ainda mais sangrentas do que a de ontem, boas notícias do Iraque. A sucessão de atentados pode bem ser sinal do desespero perante as derrotas na guerra convencional.

As medidas de segurança nunca impedirão todos os atentados. Não o impediram seis meses de estado de emergência, agora prolongados por mais três meses, mais para benefício eleitoral do PSF do que para combater o terrorismo.

Mas pode fazer-se alguma justiça. Perante o resultados do relatório britânico sobre a guerra do Iraque, temos de responsabilizar os que deliberadamente mentiram aos povos, atiraram a Europa e os EUA para uma aventura irresponsável e com isso criaram o caos na região, facilitando de tal forma a vida aos terroristas que lhes foi possível dominar um território, assemelhar-se a um Estado e ter recursos nunca vistos. Se não se for tão longe, que ao menos não se volte a dar ouvidos aos guerreiros de sofá. Gritar pelas armas é fácil, difícil é lidar com as consequências de escolhas irresponsáveis. Devemos uma coisa a nós mesmos: fazer justiça. Perseguir e punir os responsáveis materiais e morais destes crimes, obviamente. E punir os que, conscientes das suas próprias mentiras, acabaram por lhes facilitar a vida.