EDUCAÇÃO

“Na Finlândia é mais difícil entrar no curso para professores do que em Direito ou Medicina”

Jari Lavonen, diretor do departamento de formação de professores da Universidade de Helsínquia, esteve em Lisboa na semana passada. Encontrou-se com deputados da comissão parlamentar de Educação, visitou a Escola Superior de Educação João de Deus e apresentou algumas das razões do sucesso finlandês. Mas acredita que também o seu país tem a aprender com o sucesso recente de Portugal nos testes internacionais e na redução do abandono escolar

TEXTO ISABEL LEIRIA FOTOS JOSÉ CARIA

Não serão muitas as semelhanças entre Portugal e a Finlândia, mas no que respeita à Educação o caminho já trilhado pelo país que há quase duas décadas se tornou referência mundial nesta área parece ser uma das inspirações para os passos que estão a ser tomados em Portugal. Lá como cá, o discurso centra-se agora na importância de trabalhar na escola as “competências para o século XXI”, de diversificar as atividades e avaliações dos alunos e de promover o trabalho “colaborativo”. Mas uma das vantagens finlandesas estará no prestígio e reconhecimento de que gozam os professores, o que torna a carreira numa das mais difíceis de aceder, explica Jari Lavonen.

O desempenho dos alunos finlandeses nos testes internacionais fez com que o país se tenha tornado uma referência, com muitos países a quererem saber o que explicava o sucesso finlandês. Mas os resultados no último PISA (Programme for InternationalS tudent Assessment, da OCDE) revelam uma descida. A que se deve?

Os resultados continuam a ser muito bons, mas desde 2006 que há uma tendência negativa. É difícil apresentar as razões, mas eu diria que os cortes orçamentais que se seguiram à crise financeira que se abateu sobre toda a Europa e, no caso finlandês em particular, a redução drástica das exportações para a Rússia, são uma das explicações. Nos últimos anos, todos os partidos prometeram que nunca iriam reduzir as verbas para a Educação. Mas os cortes foram tais que também atingiram este sector. Só na minha universidade cortaram as transferências do Estado em 15% a 20%. Nas escolas básicas e secundárias, que são financiadas pelos municípios, aconteceu o mesmo. Resultado: as turmas aumentaram de tamanho e o número de professores afetos ao ensino especial e de assistentes nas salas de aula foi reduzido. O que o PISA mostra é que aumentou o número de alunos finlandeses com baixos resultados, os chamados ‘low achievers’ (que puxaram a média para baixo). Claro quem se há turmas maiores e menos apoio disponível para estudantes com dificuldades de aprendizagem, estes vão aprender menos.

O assunto fez soar o alarme num país que sempre se orgulhou do seu sistema educativo?

Foi muito debatido. A oposição culpa o Governo pela situação, na medida em que prometeu que não iria cortar nas verbas para a Educação e fê-lo. Na primavera teremos as eleições municipais e este tema vai ser um dos principais em destaque. O direito à Educação e a equidade no acesso são valores muito sérios na nossa sociedade.

Essa será uma das primeiras explicações para o sucesso finlandês?

Sim. Mas também o facto de os professores serem altamente qualificados, com uma formação académica de cinco anos. E ainda a definição de objetivos em comum. Há muito tempo que temos um currículo nacional, que é revisto a cada 10 anos, num trabalho muito participado e colaborativo. O Conselho Nacional de Educação convida professores, investigadores, vários parceiros que têm um papel no sistema para debaterem e darem feedback sobre a discussão. Assim conseguimos construir uma visão comum e grandes objetivos, que são depois adaptados a nível local pelos municípios e pelas escolas. Os professores são chamados a participar na definição dos currículos a nível local.

A última revisão do currículo nacional para o ensino básico foi aprovada recentemente. Que balanço fazem da mudanças aplicadas?

O currículo foi aprovado em 2014 e as novas orientações entraram em vigor este ano letivo, depois das adaptações feitas pelas escolas a partir do documento nacional. Há uma mudança de ideologia grande. Definimos um conjunto de competências genéricas – aquilo a que chamamos competências para o século XXI (tal como está agora a acontecer em Portugal) – e em que descrevemos o tipo de pensamento, de atividades, de meios e instrumentos e de contextos que queremos que sejam ensinados aos alunos. Cada escola, no planeamento das suas atividades e no desenvolvimento das diferentes disciplinas, tem de assegurar uma relação forte com estas competências. Por exemplo, definimos como essencial que os alunos desenvolvam com os colegas atividades de investigação que impliquem a recolha de informação, análise e resolução de problemas. Os professores de cada disciplina têm de ter isto em mente no seu trabalho, apostar nestes trabalhos e centrar a avaliação dos alunos nestas atividades. Reduzimos muito as descrições de conteúdos e valorizámos as competências. E ficou ainda definido no currículo nacional que cada escola tem de definir, ao longo do ano letivo, pelo menos um tema, projeto ou cadeira que junta o conteúdo de diferentes disciplinas e em que o trabalho que é feito pelos alunos combina as diferentes abordagens de cada cadeira. Em cada ano letivo, a escola tem de ter pelo menos um deste módulos multidisciplinares.

Diz que os professores na Finlândia são altamente qualificados e um dos garantes da qualidade do sistema. Como se garante essa qualidade? Na formação inicial? Nas condições de carreira?

A base está na formação dada nas universidades que preparam os futuros professores do pré-escolar ao secundário (são oito instituições públicas e as vagas abertas estão dependentes da evolução da oferta de trabalho). Mas só isso não chega. A escola tem de apoiar o seu desenvolvimento profissional, criar condições e incentivar os professores a colaborarem uns com os outros e a procurarem constantemente a melhorar a qualidade.

Os professores sentem que estão a contribuir para algo importante para o país?

Sentem que o seu trabalho é apreciado. Além disso, não têm muita pressão das famílias, não há inspeções escolares, nem um sistema pesado de exames nacionais. E é-lhes dada autonomia para planear, pôr em prática e avaliar todo o ensino.

É por isso que é uma carreira tão atrativa?

Ao contrário do que acontece em muitos países europeus, na Finlândia o curso para professores do ensino básico é dos mais procurados. É mais difícil entrar nesta formação do que em Medicina ou Direito. Entre todos os candidatos ao curso selecionamos cerca de 5 por cento. A entrada é muito competitiva e conseguimos ter os mais talentosos.

Mas haverá sempre professores a fazer um trabalho pior. Quem é que monitoriza a qualidade do seu ensino?

É um processo muito baseado na autoavaliação, seguido de discussões com o diretor da escola sobre o desenvolvimento profissional de cada docente, o feedback transmitido pelos estudantes e os resultados escolares. Nos últimos cinco, sete anos também iniciámos um processo de formação de professores mentores que dão apoio aos que chegam ao sistema. Os mais novos podem pedir ajuda a estes mentores, podem pedir para irem à sala de aula ver como resolver um problema com que estejam a lidar, etc. É importante este apoio de proximidade e é algo em que estamos a apostar.

Com as sociedades a mudarem tão depressa e as formas de acesso dos alunos à informação a terem pouco que ver com o passado, a formação de professores tem acompanhado estas alterações?

A renovação da formação de professores faz parte do programa nacional de reformas. O ministro da Educação convidou todos os agentes envolvidos desta área a participarem e a partilharem ideias num brainstorming à escala nacional, a partir de uma plataforma online. O processo decorreu durante dois meses e no final chegou-se a um consenso sobre os grandes objetivos e as medidas para os atingir e assegurar que os níveis de qualidade de formação, que a tornaram forte, atrativa e apreciada internacionalmente se mantêm. É muito comum na Finlândia reunir os protagonistas para chegarem a um consenso. E de cada vez que é definida uma nova estratégia, o Governo aloca recursos para a implementar. Atribuiu 100 milhões de euros para a execução do novo currículo nacional e 20 milhões de euros para as mudanças na formação de professores.

É mais difícil ser-se professor hoje em dia?

Certamente que sim. A diversidade de alunos é muito maior e os recursos e os apoios mais escassos. Mas é um bom desafio.

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