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Opinião

João Vieira Pereira

Quero ver esses aplausos

Vamos esquecer por momentos que o valor mais baixo de sempre do défice português em democracia foi atingido com recurso a um perdão fiscal, a uma venda de aviões militares, a um corte cego na despesa dos ministérios, à travagem total (até retrocesso) no investimento público (inclusive despesas de capital em empresas públicas) e ao adiamento do aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos. Vamos esquecer que todas estas decisões têm um impacto negativo a curto e médio prazo na economia.

Já esqueceu? Ótimo. Temos finalmente um número do qual nos podemos orgulhar. E não estou a ser irónico. Um défice de 2,1% do PIB (qualquer coisa como €3,6 mil milhões) é um ótimo cartão de visita para qualquer ministro de um país do sul da Europa. Ainda não foi suficiente para nos tirar do lixo, mas é um bom caminho. O ideal seria termos um défice zero, ou mesmo um superavit, para podermos começar a pagar o forrobodó de dívida que acumulámos durante os últimos 20 anos. Somos um dos países mais endividados da zona euro, até do mundo, como ainda esta semana nos descreveu Cristina Casalinho em entrevista ao “Público”: “o nível global de endividamento da economia como um todo é elevado, a dívida externa é das mais altas do mundo.” Há quem acredite que um dia virá uma borracha milagrosa que irá limpar esse fardo. Infelizmente essa borracha não existe. No limite há um ácido que se vier derrete a dívida e muito mais do que isso, arrastando o sistema financeiro, empresas e toda uma economia. Não há boas reestruturações de dívida. São todas más ou péssimas.

Por isso só há duas alternativas.

1- Fazer uma reestruturação ao longo do tempo que passa pela substituição de dívida de juros altos por outra de juros baixos ou moratórias dos credores.

2- Pagar!

Qualquer uma das soluções exige um défice baixo.

Até aqui tudo bem. Só que há um problema que ameaça este objetivo. A geringonça. Bloco de Esquerda e PCP sempre foram contra os limites orçamentais. No máximo, os menos radicais, admitiriam défices que ficassem nos 3%.

Mas Centeno entregou-lhe um défice de 2,1%. Em valores absolutos estamos a falar de uma diferença para os 3% que anda nos €1,6 mil milhões. Será difícil para qualquer um deles explicar porque é que com esta folga houve um aumento tão baixo das pensões, porque é que os salários dos funcionários públicos não foram atualizados, porque é que não houve uma aposta no investimento público. Ora tentem lá explicar como foram cúmplices do défice mais baixo de sempre depois de terem andado anos a dizer que havia excesso de austeridade. E isto é excesso de quê?