Mundial 2018

Jorge Andrade

“Despedir Lopetegui foi uma estupidez. Soubemos que Scolari ia para o Chelsea no Euro 2008 e correu bem”

Jorge Andrade afirma que a defesa da seleção não o preocupa nada, nem o ataque Foto Getty

Jorge Andrade afirma que a defesa da seleção não o preocupa nada, nem o ataque Foto Getty

Pouco depois de Espanha ter trocado de selecionador, Jorge Andrade ainda não escondia o espanto. Apesar de considerar que a decisão é errada, o central titular do Euro 2004 diz que a notícia é boa para Portugal, que defronta o país vizinho esta sexta-feira, a partir das 19h, na sua estreia no Mundial. Estranhando que os jogadores portugueses do Barça tenham ficado fora dos 23 de Fernando Santos, está preocupado com Rui Patrício mas não com a seleção, que tem mais alternativas do que no euro do nosso contentamento

Texto Isabel Paulo Foto Rui Duarte Silva

Vamos começar pela notícia-bomba. Julen Lopetegui acaba de ser despedido...

Acabei de saber, e achei que era impossível. Já se sabia que ia para o Real Madrid, mas nunca me passou pela cabeça que o despedissem a dois dias do jogo com Portugal...

O presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, afirmou que há normas de conduta a cumprir na Federação que não lhe deixaram outra opção.

Que estupidez! Quantos jogadores não decidem o seu futuro durante o Mundial ou o Europeu? Claro que o selecionador tem de ser o selecionador de todos, do Barça ao Real Madrid. Acho que a decisão se deve ao facto de Espanha ser um país dividido pela questão da Catalunha. A Federação terá temido que pudesse beneficiar os jogadores do Real. Já passámos por isso e ninguém foi despedido. Toda a gente sabia que Scolari já tinha apalavrado contrato com o Chelsea durante o Euro 2008...

Foi anunciado no site do Chelsea no dia em que Portugal se apurou para os quartos-de-final.

É triste para os jogadores saberem que o seu selecionador se vai embora no final da competição, mas em termos desportivos, jogando-se as fases finais de mundiais e europeus no defeso, é normal que tal aconteça.

E não perturba os jogadores?

No nosso caso, não. Ate conseguimos gerir a situação muito bem. Mesmo entre colegas, que decidiram o futuro em plena prova. No Euro 2004, o Deco estava a negociar com o Barcelona, outros jogadores com o Chelsea, e a equipa manteve-se sempre unida. E desportivamente as coisas até correram bem.

Foto Rui Duarte Silva

Foto Rui Duarte Silva

Ou seja, a Federação espanhola precipitou-se sem razão.

É preciso perceber o contexto, mas para mim foi uma opção claramente precipitada. Não é a dois dias do início de um Mundial que se mexe na equipa técnica, o que julgo irá prejudicar o jogo da seleção. É uma opção errada, embora o contexto espanhol seja diferente do português.

Um grupo de jogadores, entre os quais Sérgio Ramos, tentou travar a saída de Lopetegui. Alguns terão dito que sem ele não haverá hipótese de a seleção, uma das quatro favoritas ao título, vencer...

Ficou mais difícil. O futebol é uma caixinha de surpresas, mas desportivamente trará certamente problemas. Ganhar nestas circunstâncias será mesmo sorte. Para se fazer uma equipa ganhadora é preciso trabalho, dedicação e confiança, que não se conquista em dois dias. Quem anda no futebol sabe que o relacionamento com o novo líder não é automático. Até pode não se refletir no primeiro jogo, com Portugal, mas lá mais para a frente vai mudar todo o trajeto da equipa no Mundial.

Lopetegui é uma aposta consciente do Real Madrid, não de risco. Na seleção, Fernando Hierro é um bom bombeiro de serviço

Lopetegui, que não vingou no FC Porto, é o treinador certo para o Real?

Em Espanha, os dirigentes gostam de treinadores que conheçam a casa. E ele conhece toda esta geração de jogadores mais novos. Não precisa de inventar muito para ter sucesso. E vai para um clube de grandes estrelas. É uma aposta consciente, não de risco.

E Fernando Hierro? É selecionador a prazo?

Como diretor desportivo, já conhece todo o processo da seleção e foi um grande jogador do Real Madrid. Nas escolhas possíveis, é um bom bombeiro de serviço.

Não teria sido mais prudente optar pelo adjunto de Lopetegui?

Não. Quando o treinador principal sai, leva normalmente a sua equipa. Há processos que são feitos em equipa e, saindo o líder, não faz sentido ficar o resto da estrutura.

Qualquer coisa de positivo que a nossa seleção faça, vai fazer mais mossa do que o normal no adversário. Cabe a Portugal fazer com que Espanha vá psicologicamente abaixo

Até que ponto esta é uma boa notícia para Portugal?

Pode beneficiar-nos porque os jogadores adversários ainda devem estar a pensar em várias coisas e menos no jogo. Aí, se Portugal estiver focado só no jogo, já será uma vantagem. Qualquer coisa de positivo que a nossa seleção faça, vai fazer mais mossa do que o normal no adversário. Se Portugal marcar primeiro, vão sentir mais do que se tivessem um líder natural. Ou seja, cabe a Portugal fazer com que Espanha vá psicologicamente abaixo. Mesmo assim é importante não negligenciar o valor de Espanha....

FOTO Getty

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O confronto com uma equipa teoricamente de maior valia é o ideal para abrir uma fase de grupos?

É um bocado ingrato. A seleção espanhola é super-forte, com uma forma de jogar que toda a gente copia. Tem muita manutenção de posse de bola, com os processos que isso requer, o que não significa que seja invencível. Ganhámos no Euro 2004, e num particular vencemos por 4-0, como também já fomos eliminados por eles duas vezes – uma vez por 1-0, outra nos penáltis. É sempre uma seleção que ninguém quer defrontar, por exigir enorme rigor e concentração extrema durante todo o jogo. É uma equipa que não precisa de estar muito bem fisicamente para controlar o jogo - o que corre é a bola, não os jogadores. Daí que o processo para travar Espanha seja sempre complicado, por obrigar o adversário dela a correr o tempo todo.

Como avalia a seleção nacional?

Portugal e Espanha têm mais nome, e são as favoritas na fase de grupos. No entanto, vamos jogar com seleções que são das melhores dos seus continentes. Marrocos já nos surpreendeu em 86 (perdemos) e pode ser de novo uma surpresa. O Irão foi líder de todas as fases de qualificação. E mais difícil é por ter do outro lado Carlos Queiroz, que conhece bem todo o nosso jogo. Portugal, a jogar ao seu nível, vence uma e outra, como aconteceu no último jogo de preparação contra a Argélia, que ganhámos com todo o mérito.

João Mário, antes da trapalhada espanhola, apontou Ronaldo como a principal estrela do Mundial da Rússia e deu o favoritismo ao país vizinho.

É normal, por ser das seleções mais tituladas do mundo. Mas temos um jogador-estrela que a Espanha não tem. Vale mais pelo seu conjunto. Mesmo tendo jogadores muito importantes, nenhum se equipara em golos e troféus a Cristiano Ronaldo.

A situação mais preocupante é a do Rui Patrício, não só pela sua posição específica, mas por ter sido atacado de uma forma particularmente agressiva. É o jogador que vejo mais afetado, embora espere que não belisque o seu jogo. É experiente, o grupo ajuda muito e a seleção é um ambiente diferente

O Sporting é o clube com maior contingente de jogadores na seleção. As agressões de Alcochete, as rescisões e o braço-de-ferro com Bruno de Carvalho podem perturbar o rendimento dos convocados, ou é possível os jogadores alhearem-se da crise de Alvalade?

Ninguém é insensível. O que aconteceu é grave e mexe com todos os envolvidos. Acho que os mais jovens, o Gelson e o Bruno Fernandes, revelaram uma atitude nos jogos-treino que me faz pensar que os mais novos superam mais facilmente as situações traumáticas. Para mim, a situação mais preocupante é a do Rui Patrício, não só pela sua posição específica, mas por ter sido atacado de uma forma particularmente agressiva. É o jogador que vejo mais afetado, embora espere que não belisque o seu jogo. É um jogador experiente, o grupo ajuda muito e a seleção é um ambiente diferente que o fará sentir-se mais protegido. No entanto, acredito que não esquecer-se do que aconteceu.

Rescindiu alegando justa causa, entretanto é alvo de um processo-crime, o que não ajuda a distanciar-se do problema...

É complicado, até por estar longe de ser uma situação normal. O Rui tem muitos anos de futebol, está numa idade diferente, tem mulher e filhos, o que leva a que a instabilidade pese mais. E tem a responsabilidade acrescida de ser guarda-redes, posição em que, se estiver mal, prejudica toda a seleção. Estou preocupado com ele.

Acha que Fernando Santos o devia resguardar e optar por outro guarda-redes?

Se o selecionador tiver sinais positivos nos treinos, o melhor é ser titular. Mas se no jogo com Espanha vir alguma intranquilidade, mais vale protegê-lo, até porque Anthony Lopes e Beto dão garantias.

Se fosse selecionador, escolheria os 23 de Fernando Santos?

Certamente que não. É um exercício muito pessoal, mas agora são estes os 23 que vou apoiar.

Quem ficou de fora que levaria à Rússia?

Não vou falar em nomes, para não melindrar quem lá está. Só estranho que não tenha convocado os jogadores portugueses do Barcelona, André Gomes e Nélson Semedo, quando jogam num dos clubes mais difíceis do mundo para um jogador se destacar. O prémio foi ficar de fora. Não sei como Fernando Santos vai gerir o pós-mundial, porque são jogadores com muito futuro pela frente e que podem ajudar a seleção.

Estou curioso por ver se a força dos 'Fernandes' pode ajudar a impulsionar a equipa. A defesa não me preocupa nada, o meio campo sim, por ser o motor do jogo

Em relação à equipa campeã europeia, este grupo tem mais opções?

É mais completo. Na defesa, o Rubén Dias trouxe alguma juventude e também o lateral esquerdo Mário Rui, mas daí para a frente temos opções muito boas de jogadores que se destacaram esta época, como Gelson, Bruno Fernandes, Gonçalo Guedes. Podiam ter dado muito jeito em 2016. São jogadores explosivos e que não têm medo do jogo ou da pressão. No ataque, Portugal está mais forte, tem o André Silva e o Bernardo Silva. É uma alegria vê-los jogar, com muita saúde nas pernas. Temos soluções impressionantes, quando em França era o Ronaldo e a substituição foi como foi. O Éder ditou-nos a sorte, mas não era um jogador-opção para todos os jogos. Portugal está sem dúvida mais forte.

Qual o sector mais frágil?

No meio-campo, o William teve lesões, o Adrian Silva esteve meio ano fora, o João Moutinho não vai poder fazer os jogos todos. Estou curioso por ver se a força dos 'Fernandes' pode ajudar a impulsionar a equipa. A defesa não me preocupa nada, o meio campo sim, por ser o motor do jogo. Com um meio campo fresco podemos ganhar qualquer jogo. Se Portugal estiver em boa condição física, esta seleção é capaz de vencer qualquer um no Mundial.

Ronaldo está em negociações com o Real Madrid, depois de insinuar que estaria de saída. Será um fator de perturbação?

Não. Ele é muito focado nos objetivos pessoais e coletivos. Vai estar focado em marcar golos e ser dos poucos jogadores a marcar consecutivamente em grandes competições. Coletivamente, ninguém duvida que quer levar Portugal o mais longe possível. Portugal nunca chegou à final de um Mundial, mais motivação do que essa não há.

FOTO Getty

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Na seleção de 2004 fez dupla com Fernando Couto...

No primeiro jogo. Depois foi com o Ricardo Carvalho.

Do que é que se lembra do jogo com Espanha?

Estávamos já em modo de “mata-mata”, como dizia Scolari, após a derrota inicial com a Grécia. Ganhámos à Rússia e era um jogo decisivo em que só a vitória interessava para passar à fase de grupos. Era um jogo de muita tensão, o Pauleta foi substituído pelo Nuno Gomes, que curiosamente nos deu a vitória. Tivemos a sorte do jogo por marcar primeiro, apesar de a Espanha ter tido várias oportunidades. O Fernando Torres rematou ao poste. A Espanha ficou de fora, dramático para um país que tinha e tem das melhores ligas do mundo.

Recorda-se do que vos disse Scolari antes ou no intervalo?

Lembro-me que pediu ao Pauleta para falar com o Nuno Gomes, o que deu uma aura positiva à substituição. Scolari tinha esse dom...

Sexto sentido?

Tinha muita sensibilidade no trato com os jogadores, parecia que adivinhava que estaria ali a solução. Não era simples substituir o Pauleta, o titular nos outros jogos. Era muito motivador. Havia jogadores que com ele rendiam muito. Por exemplo, o Ricardo no campeonato fazia uma época normalíssima, chegava à seleção e aparecia muito, defendia penáltis e ainda marcou contra a Inglaterra. Scolari sabia dar confiança e fechar o grupo. Quem entrava sabia que seria protegido e dava tudo por ele.

Nunca é negativo ter vencido uma grande competição. Ninguém nos tira a vitória em França. Dá outra responsabilidade e os adversários vão olhar para nós de outra forma. Para os jogadores, é até motivador mostrar que o título europeu não foi por acaso

Durante o jogo com Espanha disse ao Fernando Torres que a Rússia estava a ganhar à Grécia. Do banco, quem lhe passou a informação errada?

Não me lembro. No final do jogo até me confrontou, mas sinceramente não tive intenção de o enganar. Admito que me tenham passado essa informação para não facilitarmos.

O facto de sermos campeões da Europa, pode elevar demasiado as expectativas dos portugueses? Pode criar demasiada ansiedade nos jogadores?

Não irá afetar a equipa. Nunca é negativo ter vencido uma grande competição. Ninguém nos tira a vitória em França. Dá outra responsabilidade e os adversários vão olhar para nós de outra forma. Para os jogadores, é até motivador mostrar que o título europeu não foi por acaso.

E não foi?

Não. Portugal foi uma seleção competente. Passou por uma fase de grupos difícil e chegou à final sem perder. E no jogou decisivo soube puxar dos galões. A sorte trabalha-se - e Portugal foi um justo vencedor. Foi a compensação por termos perdido o Euro em casa.

Fernando Santos é outro selecionador especial, parece que tem ligação direta com Deus

Há dois anos, Fernando Santos disse que só voltava para casa no último dia. Desta vez, ainda não se aventurou a fazer previsões. Prudência ou um sinal que está menos confiante?

Na altura disse isso após ter empatado os primeiros jogos. Agora, o campeonato ainda não começou, por isso ainda não há sensações. É outro selecionador especial, parece que tem ligação direta com Deus. E também dependerá se nos vamos cruzar ou não com as equipas-tubarões após a fase de grupos...

Quem são?

A Alemanha e a Argentina. E Espanha logo a seguir...

O que está a fazer?

Comentários na RTP e a treinar os sub17 do Cultural da Pontinha.

Prefere ser treinador ou comentador?

Treinar é o que sei fazer. Gostava de voltar a trabalhar com seniores ou integrar uma estrutura técnica. Comentar é engraçado e tranquilo. Só se se disser algo anormal é que se tem o lugar em risco.