Henrique Raposohenrique.raposo79@gmail.com

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

A desonestidade de Marcelo Rebelo de Sousa

Como se fosse um anjo neutral caidinho dos céus, o Marcelo-comentador palra todas as semanas sobre as movimentações dos outros candidatos presidenciais. Ao mesmo tempo, o Marcelo-candidato anda em campanha eleitoral: faz comícios no PSD profundo, aparece em capas de revistas femininas, anda por aí. Eis portanto o domingo típico de Sua Excelência: durante o dia faz a sua campanha, faz os seus contactos como todos os candidatos, mas à noite veste o fato de comentador político que aborda a semana política como se fosse um comentador de futebol, ai, os casos da semana!, ui, a boa jogada de comunicação política da semana!, oh, a má jogada de comunicação política da semana! Como Pinto da Costa dos bons velhos tempos, Marcelo vai a jogo e é árbitro ao mesmo tempo. Se precisámos do youtube para ouvir as movimentações de Pinto da Costa, não precisamos dessa modernice para compreender a desonestidade política e intelectual de Marcelo Rebelo de Sousa: ela, a desonestidade, aparece no horário nobre de uma televisão nacional.

O problema, porém, não está em Marcelo, um homem que conseguiu a proeza de falar quarenta anos sem dizer nada. O problema está na televisão (é a TVI, mas podia ser outra; a SIC contratou Jorge Coelho, que é outra espécie de insulto). O problema está na televisão que não avisa os telespectadores em relação a dois ou três pormenores. Exemplos? Sempre que Marcelo fala de presidenciais, o rodapé da tv devia anunciar “atenção, este homem é um potencial candidato às presidenciais e está a usar o seu espaço de comentário para comentar as presidenciais num acto de profundo respeito pela república”. Sempre que Marcelo fala do BES ou de Ricciardi, a tv devia anunciar “atenção, este homem é amigo de Ricardo Salgado e tudo isto é uma comovente demonstração de amizade que Montaigne apreciaria; quem é Montaigne, caro telespectador? Procure no google que o Professor não tem tempo para isso”.

Não, o problema não é Marcelo, o homem que nunca defendeu uma convicção apesar de palrar em público há quarenta anos. O problema é do jornalismo que legitima esta falta de transparência. O problema é dos jornalistas que, segunda de manhã, fazem uma notícia (uma notícia, repito) a partir dos comentários de Marcelo. Em 1969, os jornalistas do “Diário de Notícias” faziam o mesmo com as conversas de outro Marcello.