
É igual investigar um qualquer cidadão anónimo ou alguém com poder?
Teófilo Santiago
Uns e outros
A justiça é igual para todos. Isto não devia ser uma pergunta. Mas é. E é igual investigar um qualquer cidadão anónimo ou alguém com poder? Como é que se investiga alguém com acesso aos meios de comunicação social e aos melhores advogados? Teófilo Santiago, o investigador da PJ que dirigiu grandes casos como o Aveiro Conection ou o processo Face Oculta (que levantou suspeitas contra Sócrates de atentado ao Estado de Direito nunca investigadas), conta como é investigar o poder. O Expresso convidou figuras do meio judicial para desfazer algumas dúvidas ao longo dos próximos dias. Começamos segunda-feira com Maria José Morgado, prosseguimos com Teófilo Santiago
É do senso comum que as investigações criminais que envolvem cidadãos com estatuto económico, social ou político trazem particulares desafios à Justiça e aos seus agentes, sendo também certo que, quanto ao seu objeto, estes processos não trazem maiores dificuldades do que aquelas que surgem nas investigações ao crime organizado e que se podem sintetizar no poder dos investigados, na sofisticação na execução do crime e na ocultação dos seus proventos.
Dificuldades que nas investigações aqui em análise poderão assumir outros contornos pelo leque alargado e qualificado de cumplicidades que os envolvidos angariaram ao longo das suas vidas públicas. Cumplicidades multifacetadas, com capacidades para criarem obstáculos à fluidez da investigação, respeitadoras do código de silêncio e que participem ativamente na execução dos crimes e na ocultação da riqueza assim obtida, através da criação de teias minuciosamente urdidas e de difícil penetração pelas autoridades.
Tudo isto apoiado em assessorias jurídicas com poder e influência que, além do mais e quando necessário, encontram sempre um miraculoso “alçapão” na lei, um vício, uma nulidade escondida ou inventam qualquer outro expediente que entupa ou entorpeça a investigação e eternize a ação penal.
No entanto, o que verdadeiramente torna estas investigações diferentes e quase sempre penosas para a Justiça e os seus agentes – magistrados e investigadores - são os episódios, questões e incidentes marginais e exteriores ao processo que vão surgindo e perturbam - admita-se ou não - a tranquilidade necessária a quem tem de estar totalmente focado no seu trabalho.
É fatal: mal a existência da investigação se torna conhecida, logo aqueles personagens ou seus acólitos mais fiéis, recorrendo a todos os meios e instrumentos que o dinheiro e o poder conferem, conjugam esforços para “criar um arraial mediático” que atenue o impacto e desvie a discussão pública dos atos criminosos em investigação para assuntos marginais, como as pretensas fugas de informação e violações do segredo de justiça - que não raro patrocinam, escondendo a mão - ou perorando sobre a “escandalosa, insuportável e desumana” morosidade das Justiça. Omitem, no discurso indignado, que essa morosidade se deve em grande parte aos sucessivos incidentes que foram criando ao longo da investigação e à necessidade desta desenredar criteriosamente os novelos emaranhados que criaram para esconder as atividades criminosas e que quase sempre obrigam ao recurso à cooperação internacional, com autoridades de países nem sempre colaborantes.
“Arraial” ruidoso cujo único objetivo é descredibilizar a Justiça e isolar, condicionar e desmoralizar investigadores e magistrados, lançando dúvidas sobre a sua idoneidade, criando à sua volta um clima de desconfiança e suspeição e questionar os méritos da investigação e seus objetivos.
Reconhecendo-se não ser possível evitar a mediatização destas investigações, parece assisado que a Justiça reaja da única forma ao seu alcance para minimizar os prejuízos que este “foguetório” causa à sua credibilidade - deixando cair o “”segredo de Justiça” logo que por qualquer motivo a investigação se torne conhecida publicamente, desarmando assim quem faz da vitimização o seu “ negócio”.
Ex-coordenador superior da Polícia Judiciária