Tecnologia

O “iPhone do futuro”, que utiliza tecnologias do passado, quer mudar (outra vez) o mundo

Não há botão Home no iPhone X. Neste smartphone acede-se ao ecrã principal fazendo um movimento rápido no ecrã de baixo para cima. O Touch ID (impressões digitais) é substituído pelo Face ID (reconhecimento facial)

Não há botão Home no iPhone X. Neste smartphone acede-se ao ecrã principal fazendo um movimento rápido no ecrã de baixo para cima. O Touch ID (impressões digitais) é substituído pelo Face ID (reconhecimento facial)

Realidade aumentada? Já vimos. Reconhecimento facial? Também. Ecrã que ocupa quase toda a área frontal? Idem. Carregamento sem fios? Banal… Mas, afinal, o que traz o iPhone X de novo? Pouco, mas a forma como junta e simplifica todas estas tecnologias pode fazer a diferença

Texto Sérgio Magno Exame Informática

O maior salto em frente desde o iPhone original.” Foi assim que Tim Cook, o CEO da Apple, definiu o iPhone X (lê-se 10), o novo smartphone de topo da marca, que vai chegar às lojas nacionais no início de novembro com um preço “desde €1179”. Não é o primeiro smartphone a ultrapassar a barreira dos 1000 euros – recentemente, a Samsung anunciou o Note 8 que custa €1020 – mas este é, sem dúvida, o iPhone mais caro de sempre. Será que esta etiqueta de preço faz sentido?


Segundo as explicações da Apple, sim. Aliás, o X foi apresentando como o “telefone do futuro”, o aparelho que, como o primeiro iPhone, vai servir de referência para o mercado. Uma forma politicamente correta de dizer “para os outros copiarem”. Quando, há pouco mais de dez anos, Steve Jobs prometia, durante a apresentação do iPhone, que a “Apple vai reinventar o telefone”, é possível que nem o próprio soubesse o real impacto deste telemóvel. A chegada, em 2008, da loja de aplicações, que libertava 70% do valor da venda para os criadores do software, representou uma das maiores disrupções de que há memória na tecnologia e na economia. Basta pensarmos que, sem esse conceito, gigantes como a Uber e Airbnb provavelmente não tinham surgido. Foram criados novos mercados em redor das apps, em áreas tão distintas como os jogos, saúde e educação.

O potencial da Realidade Aumentada

No entanto, pelo menos por enquanto, não é claro como é que o X vai reinventar o segmento da computação móvel. Durante a apresentação, a 'demo' mais impressionante foi um jogo de estratégia onde o campo de batalha foi gerado, em tempo real, sobre o palco do Steve Jobs Theater onde decorreu a o evento – a inauguração do auditório desenhado à imagem da Apple foi um dos momentos mais acarinhados pelos fãs nas redes sociais. Neste jogo, o utilizador pode explorar os mapas movendo livremente o smartphone, o que permite um novo tipo de interação.

Tim Cook já tinha deixado claro que a Apple se estava a preparar para entrar no mundo da Realidade Aumentada (RA), uma funcionalidade que o CEO da Apple considera muito mais interessante que a Realidade Virtual (RV). Enquanto esta última tecnologia cria mundos digitais, normalmente visíveis através de óculos com capacidades 3D e 360 graus, a RA adiciona elementos digitais ao mundo real. E existem vários níveis para o fazer, sendo que, nos mais elementares, nem são necessários óculos especiais. É o caso de 'apps' que adicionam informação contextual à imagem captada pela câmara do telemóvel – certamente já ouviu falar do Pokémon Go. E é nesta área que a Apple tem estado a trabalhar, como ficou claro na demonstração referida.

Mesmo no tempo de Steve Jobs, a Apple não era conhecida por chegar primeiro, mas por ser, normalmente, a primeira a fazer bem em termos de massificação, tornando a tecnologia mais transparente e acessível a todos. Foi o que aconteceu nos smartphones (iPhone), mas também na música digital (iPod) e nos tablets (iPad). E, a acreditar na opinião que tem sido expressa por especialistas, é possível que volte a repetir a façanha na RA. A Apple chegou tarde, mas já está a impressionar. A tecnologia desenvolvida por esta empresa parece ser bem mais precisa e eficiente que as soluções de RA já apresentadas pela Google e pela Microsoft. Não precisa de smartphones especiais – até funciona em versões anteriores do iPhone – nem óculos pouco práticos.

As funcionalidades de Realidade Aumentada foram melhoradas nos iPhone 8 e X graças à forma como os sensores de movimento e de posição comunicam com as câmaras

As funcionalidades de Realidade Aumentada foram melhoradas nos iPhone 8 e X graças à forma como os sensores de movimento e de posição comunicam com as câmaras

Nos novos iPhone, incluindo os 8, há novidades importantes na forma como os sensores de movimento e posição 'falam' com as câmaras para colocarem, com grande precisão, os elementos digitais no mundo real. O que abre caminho para todo um novo ecossistema de aplicações. A IKEA, por exemplo, já anunciou uma app para o novo iOS 11, o sistema operativo do iPhone, que permite aos utilizadores posicionarem móveis virtuais da marca nos espaços reais dos clientes. Ou seja, vamos poder ver se os móveis ficam bem na sala, no quarto ou na cozinha sem sairmos de casa.

Um “fail” durante a apresentação

No Twitter, Paris Hilton escreveu “#iPhoneX is hot” e, mais importante em termos de mercado, os analistas estão a reagir muito bem. Por exemplo, Patrick Moorhead, o presidente da Moor Insights & Strategy considera que o X é “verdadeiramente uma maravilha de engenharia”. Outras analistas congratulam a estratégia de lançar modelos evolutivos do anterior, mais acessíveis e mais adequados aos utilizadores que gostam do iPhone como está, e de um novo modelo mais diferenciador, com potencial para atrair clientes que não usam o iPhone.

Mas no que ao design diz respeito, há semelhanças importante entre os três aparelhos apresentados. Para começar, a Apple parece ter dado ouvidos aos clientes e optou por voltar a usar vidro no chassis, como já tinha feito no iPhone 4/4s. Uma opção que tem sido aplaudida nos comentários aos artigos sobre os lançamentos da Apple e nas redes sociais. A marca diz que a resistência está garantida graças à adição de metal laminado aos painéis de vidro. Como é habitual, o design está em alta e não há dúvidas que tanto os novos iPhone 8 como, principalmente, o iPhone X vão diretamente para o topo no que ao aspeto diz respeito. Ainda assim, nem tudo é perfeito, e aquelas câmaras salientes estragam um pouco o conceito de “bloco único” dos aparelhos.

O novo processador desenhado pela Apple, o A11 Bionic, tem seis núcleos de processamento e tem um desempenho entre 25 a 70 porcento superior ao processador do iPhone 7

O novo processador desenhado pela Apple, o A11 Bionic, tem seis núcleos de processamento e tem um desempenho entre 25 a 70 porcento superior ao processador do iPhone 7

Enquanto os iPhone 8 (desde €829) e 8 Plus (desde €939) mantêm o botão Home e respetivo Touch ID (leitor de impressões digitais), o X abandona por completo o botão principal, uma das características mais emblemáticas do iPhone desde que foi lançado. Os utilizadores do smartphone da Apple estão habituados a pressionar este botão centenas de vezes ao dia, tanto para aceder ao ecrã principal como para desbloquear o aparelho através da leitura das impressões digitais. Esta última funcionalidade é também usada para pagamentos via Apple Pay e para autenticar o utilizador em diferentes serviços, como é o caso de apps de banca online.

A reação dos fãs a esta opção da Apple tem sido variada. A maioria parece gostar, mas muitos não estão convencidos porque consideram que não é tão fácil e prático fazer um movimento no ecrã para aceder ao menu principal e olhar para a câmara para autenticar o utilizador, funcionalidade denominada Face ID. A Apple garante que vai ser tudo muito simples e eficiente e alguns dos jornalistas que já experimentaram o iPhone X parecem estar de acordo. Mas também é verdade que o sistema falhou na própria demonstração quando Craig Federighi, um dos vice-presidentes da Apple, tentou desbloquear o iPhone X recorrendo ao Face ID… Só funcionou à terceira tentativa.

Comunicar com avatares

A câmara frontal com capacidades 3D usada para o Face ID também permite outras funcionalidades. Uma delas é a capacidade de alterar, em tempo real, o fundo das fotos feitas com esta câmara. Como há informação de profundidade, os algoritmos podem, facilmente, ser usados para desfocar o fundo ou até mesmo colocar um fundo diferente. O que abre caminho para, por exemplo, selfies feitas em casa que mostram o utilizador uma praia paradisíaca. Sim, não podemos acreditar nas imagens. Tudo de modo simples, sem edição manual da imagem.

Os Animoji resultam da fusão de um boneco com a expressão do utilizador captada pela câmara frontal do iPhone

Os Animoji resultam da fusão de um boneco com a expressão do utilizador captada pela câmara frontal do iPhone

Talvez ainda mais interessante, pelo menos a acreditar nas reações de quem assistiu ao evento, sejam as Animoji. Uma funcionalidade que recorre às capacidades 3D da câmara frontal para criar emojis animados. Ou seja, em vez de simples smileys, como sorrisos e corações, os utilizadores vão poder trocar mensagens com bonecos animados que reproduzem as expressões faciais dos interlocutores. Um género de avatares para exprimir sentimentos.

Mais rápido e com melhor autonomia

Já se sabe: cada geração do iPhone traz melhorias importantes no desempenho. Regra que vai continuar a ser aplicada. Neste aspeto, a grande novidade é o novo processador A11, desenvolvido pela própria Apple, que vai permitir a execução de aplicações mais exigentes, sejam elas de Realidade Aumentada ou de tratamento de imagens. Neste campo, é importante salientar que as câmaras melhoraram em vários aspetos para permitir obter fotos e vídeos com melhor qualidade. No vídeo, o suporte para gravação a 4K, a melhor resolução disponível, a 60 imagens por segundo e o modo de câmara lenta em Full HD a 240 imagens por segundo são as características que mais sobressaem. Nas fotos, há a promessa de focagem mais rápida e melhor comportamento quando há pouca luz ambiente. Mas, por aqui, a Apple não oferece nada que a concorrência já tenha disponível. Pior, há quem critique o facto de o iPhone 8 de 4,7 polegadas ter apenas uma única câmara traseira de 12 megapíxeis quando muitos concorrentes nesta gama de preços oferecem câmaras duplas e resolução superior.

As capacidades 3D da câmara frontal do iPhone X associam informação de profundidade às imagens, o que permite alterar o fundo da foto com facilidade

As capacidades 3D da câmara frontal do iPhone X associam informação de profundidade às imagens, o que permite alterar o fundo da foto com facilidade

Entre o iPhone 8 Plus e o X, a principal diferença das câmaras traseiras (duplas) é que no X as duas câmaras têm estabilizador ótico, que permite obter imagens mais nítidas, enquanto no Plus só tem este tipo de estabilização na câmara grande angular. Nos dois modelos a segunda câmara traseira tem ampliação ótica para permitir fotos de melhor qualidade quando se recorre ao zoom.

O iPhone X tem duas câmaras traseiras de 12 megapíxeis, uma mais ampla e outra com zoom ótico. As duas têm estabilizador ótico – no iPhone 8 Plus, só a câmara com maior angular tem esta tecnologia que permite imagens mais estáveis

O iPhone X tem duas câmaras traseiras de 12 megapíxeis, uma mais ampla e outra com zoom ótico. As duas têm estabilizador ótico – no iPhone 8 Plus, só a câmara com maior angular tem esta tecnologia que permite imagens mais estáveis

Finalmente, a autonomia. A Apple garante mais umas horas. Mas também há novidades no carregamento. Os três modelos suportam carregamento sem fios (wireless charging). Uma característica já esperada e antecipada. Mas como a Apple chegou muito tarde ao carregamento sem fios, esperava-se alguma característica inovadora para justificar este atraso. Mas não, a Apple recorreu a uma tecnologia já existente, o que significa que no mercado há muitos carregadores sem fios compatíveis com os novos iPhone, e nem sequer anunciou um qualquer acordo com parceiros para oferecer este tipo de carregamento aos clientes da marca.

Os três novos modelos incluem Wireless Charging, o que permite carregamento sem usar fios

Os três novos modelos incluem Wireless Charging, o que permite carregamento sem usar fios

Mais que inovar, simplificar

Tecnologicamente, os novos iPhone não surpreendem. Não trazem nada de realmente novo. Mas se considerarmos as opiniões de quem já experimentou os novos aparelhos, a Apple parece ter, uma vez mais, conseguido tornar tecnologias complexas mais usáveis e fiáveis. Outros já tinham autenticação por reconhecimento facial, mas com problemas de desempenho e de segurança; a aplicação de Realidade Aumentada em smartphones já tinha sido desenvolvia pela Google e aplicada em alguns smartphones, mas estes aparelhos são demasiado grandes e as aplicações não têm convencido; pelo menos um concorrente já usava câmaras dos smartphones para criar avatares com base na cara dos utilizadores, mas a utilidade prática dos Animoji parece ser muito maior… A Apple tem novas armas para se distinguir da concorrência.

E, não menos importante, a Apple aumentou significativamente as opções de compra para quem quer entrar ou manter-se no universo iPhone. Além dos novos modelos, que vão estar disponíveis em diferentes versões (cores e capacidade de armazenamento), a Apple continua a comercializar os iPhone 7, 7 Plus 6s e SE. Nunca houve tantos iPhones no mercado ao mesmo tempo! Uma alteração de política comercial importante, com vista a potenciar ao máximo as vendas do smartphone mais conhecido do mundo.