TECNOLOGIA

Que febre é esta com o Pokémon GO? (e fica o aviso: é preciso ter cuidado)

FOTO EPA

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Lembra-se de ouvir (ou talvez não) no final dos anos 1990 aquele genérico viciante que repetia “apanhá-los todos, apanhá-los todos”? “Apanhá-los” era o objetivo de qualquer aspirante a treinador dos Pokémon, as criaturas em forma de dragões, serpentes ou pássaros que habitavam um mundo virtual limitado às consolas da Nintendo. A febre está de volta - não se fala de outra coisa lá fora (porque cá dentro o Euro é tópico que seca tudo à volta). Agora joga-se em smartphones, tem realidade aumentada envolvida na experiência e quem já experimentou diz que é vício total. Mas há um outro lado - e é perigoso para a segurança (física e virtual)

TEXTO MARIANA LIMA CUNHA

Não se espante se um dia destes estiver a caminhar pela rua e vir um número anormalmente significativo de pessoas incapazes de tirar os olhos do telemóvel, ou mesmo um grupo de viciados virtuais a rodear uma estátua ou uma praça de renome. Estes comportamentos, que provavelmente vai testemunhar (se é que não vai mesmo juntar-se a eles) com frequência nos próximos tempos, não são de espantar e têm uma explicação: a Pokémania está de volta.

Recuemos no tempo: no final dos anos 1990, a febre dos Pokémon atingiu um pico mundial – toda a gente andava agarrada às consolas da Nintendo, viciada num mundo virtual em que o objetivo era capturar e treinar o maior número possível destas criaturas, que se assemelhavam a dragões, serpentes, pássaros, entre outras coisas (o jogo acabou mesmo por dar origem a um programa de desenhos animados muito popular e a vários filmes). Agora, a Niantic Labs dá um passo à frente e lança o Pokémon Go, a versão do jogo em realidade aumentada – o que quer dizer que o sonho de ser um treinador de Pokémon e viver num mundo em que eles existem está mais perto de se tornar realidade do que nunca.

FOTO REUTERS

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A ideia parece simples: o utilizador instala o Pokémon Go no seu telemóvel com sistema Android ou iOS de forma gratuita (ainda não está disponível em Portugal) e permite que a aplicação utilize o GPS e o relógio para o colocar nesta espécie de mundo real do Pokémon. Depois, só tem de se deslocar como normalmente faria com a aplicação aberta – e será avisado quando um Pokémon, que pode capturar, se encontrar próximo de si (sendo que se estiver perto do mar terá mais hipóteses de encontrar uma criatura que viva dentro de água, ou até pode deslocar-se a uma gasolineira e encontrar um Pokémon que tenha que ver com o elemento do fogo).

Geração Pokémon vs geração Facebook e selfies

“O jogo sobrepõe objetos digitais a imagens ou localizações reais. A tecnologia já existe e não será, em termos técnicos, uma novidade assim tão grande para a área”, explica ao Expresso Ana Sofia Almeida, CEO da empresa de videojogos portuguesa Tapestry Software. Mas se jogos como o Ingress ou o Life is Crime já exploram esta vertente da realidade aumentada, o que explica que segundo a Forbes, nos dois primeiros dias após o lançamento do jogo, o mesmo tenha gerado 1,6 milhões de dólares (1,4 milhões de euros) só nos Estados Unidos e nos sistemas iOS – para mais, tendo em conta que o jogo é gratuito e só a compra de itens especiais para atrair e apanhar estas criaturas é paga com dinheiro real?

“Este regresso do Pokémon permite perceber que nos jogos, como na literatura e nos filmes, um conceito e ideia pode seduzir e apelar a uma nova geração de público que o descobre, desde que a ideia seja boa e a qualidade acompanhe. Novas versões e reinterpretações são sinal de vitalidade da área e uma tendência já certa”, adianta Ana Sofia Almeida. A verdade é que os antigos fãs, mesmo com algumas alterações ao jogo, são fiéis e estão a reaparecer para aderir em força – é a “geração Pokémon” que vai mostrar-se a uma “geração de miúdos Facebook e selfies”, garante Miguel Oliveira, de 26 anos, orgulhoso membro da tal geração Pokémon e funcionário da G3Tech.

“A característica mais viciante do jogo é o fato de poder colecionar todos os Pokémon da primeira geração, que é precisamente o lema original da série. Esse sempre foi um sonho dos fãs, crianças e adolescentes que assistiram à série e jogaram os jogos originais na época em que a popularidade de Pokémon explodiu”, explica Cláudio Neves, estudante de Engenharia Mecânica de 27 anos e administrador do grupo “Pokémon Go Portugal” no Facebook (ver AQUI). Na verdade, esta atualização do jogo pode mesmo ser um sonho tornado realidade para os fãs do jogo, uma vez que o objetivo sempre foi viajar qual Ash Kutchem – a personagem principal e o dono do famoso Pikachu – pelo mundo para conseguir apanhar todas estas criaturas.

Procurava um Pokémon e encontrou um corpo a boiar no rio

Se a forma principal de jogar é simplesmente andar por aí até encontrar Pokémon e tentar apanhá-los, o jogo não fica por aí – também há PokéStops, ou seja, localizações onde pode comprar os tais itens que podem ajudá-lo a capturar os futuros membros da sua equipa Pokémon, e até “ginásios” (lembra-se de lhe falarmos de pessoas que rodeiam estátuas?). No caso dos ginásios, onde tal como no jogo tradicional os treinadores podem exercitar os seus Pokémon e fazê-los evoluir de nível, terá de se deslocar a locais reais de relevo – podem ser estátuas ou monumentos, por exemplo (para perceber melhor: se for a Nova Iorque, em Times Square poderá “encontrar” um destes ginásios).

Mas nem tudo são rosas para os fãs que veem um sonho antigo quase cumprido – é que se os ginásios costumam ser lugares frequentados e conhecidos (e apesar de já haver incidentes como habitações privadas que por engano foram identificadas nos mapas como ginásios), o mesmo não se pode dizer de todas as PokéStops ou locais onde as criaturas se encontram.

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Notícias como a da adolescente de 19 anos que encontrou um cadáver a boiar no rio Wind, no Wyoming, Estados Unidos, quando procurava um Pokémon, ou o grupo de quatro jovens que se aproveitou dos fãs que de noite perseguiam Pokémon para roubar telemóveis e carteiras com uma arma no Missouri têm gerado fortes preocupações com a segurança de quem joga Pokémon Go, e muitos avisos para que os utilizadores joguem apenas à luz do dia e em lugares seguros. “Eu aconselho as pessoas a jogarem juntamente com amigos ou conhecidos e não com estranhos, ou então levar alguém com elas para evitar estes casos. Outra das preocupações é o número de acidentes que podem acontecer pelas pessoas estarem distraídas com o telefone enquanto caminham”, alerta Cláudio Neves.

Miguel Correia, professor de Engenharia Informática no Instituto Superior Técnico, traça uma longa lista de potenciais riscos que os utilizadores da aplicação devem ter em conta e que advêm precisamente “da sua característica mais interessante: a interação do utilizador com o mundo real”. “Os jogadores podem ser levados para zonas perigosas e sujeitos a assaltos, raptos, etc. O risco anterior é particularmente grave se a aplicação for comprometida por um hacker de modo a criar Pokemóns especificamente para esse fim (para levar os jogadores a certos locais). Um hacker poderia, por exemplo, criar uma falsa aplicação Pokémon Go que seria instalada por alguns jogadores e usada para esse fim.”

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Preocupações com dados pessoais

Mas os riscos não existem apenas para a integridade física de quem joga – as notícias dos últimos dias dão conta de preocupações com a privacidade dos utilizadores, uma vez que quem entrava no jogo através de uma conta Google no seu sistema iOS estaria a permitir que a empresa acedesse aos seus emails e histórico de pesquisas, por exemplo. Miguel Correia explica que alguns exemplos de riscos relacionados com este tipo de aplicações podem ser “o roubo de dados como senhas de acesso a serviços de banca online ou números de cartão de crédito ou a obtenção de dados privados como o número do telemóvel, morada, escola onde estuda, etc”.

As notícias geraram tanta preocupação que a Niantic se apressou a emitir esta segunda-feira um comunicado em que garantia que a intenção da empresa passava apenas por aceder ao nome de utilizador e endereço de e-mail, tendo sido um “erro” o pedido de informações adicionais. Certo é que as ações da Nintendo, empresa que detém grande parte da Pokémon Company e que em 2014 ajudou a lançar um trailer que deixava antever o nascimento do Pokémon Go (e que elevou as expectativas dos fãs), subiram 36% em bolsa em poucos dias – e o fenómeno continua a crescer a bom ritmo. É que o Pokémon Go é mais do que um jogo, é uma espécie de promessa cumprida, salienta Cláudio Neves: “Traz de volta a mística inicial e torna realidade um dos nossos grandes sonhos como fãs, que é ser treinador de Pokémon, tal como sonhámos quando o Pokémon surgiu nas nossas vidas”.