Expresso

CARROS

Vamos mostrar-lhe o que é andar a 240 km/h

Filipe Albuquerque estreia-se este sábado nas 24 horas de Le Mans, na equipa oficial da Audi. O Expresso entrou no carro do piloto, um Audi TT RS, e fez o circuito do Estoril. Temos conversa e vídeos (dos bons e inesperados) para lhe mostrar como é andar a velocidades proibitivas (e prodigiosas)

REPORTAGEM ANA SOFIA SANTOS, JOÃO SANTOS DUARTE e PEDRO CANDEIAS

Os carros sempre fizeram parte da tua vida?

Desde pequeno, quando o meu pai me mostrou pela primeira vez um kart - foi amor à primeira vez. Gostei da adrenalina, dos carros, dos motores a trabalhar, da sensação de apanhar os outros pilotos e ser mais rápido.

E disseste logo ao teu pai que era aquilo que querias fazer?

O bichinho também era muito do meu pai, desde pequeno. Nessa altura, o meu pai comprou um kart para o meu irmão e eu dividirmos e outro para ele. O fim de semana era passado a andar de kart.

Eras o mais rápido?

Não, não! Era o mais lento de todos, mas também sou o mais novo da família. Foi mais tarde, mais ou menos meio ano depois, que decidi que era aquilo que queria fazer da minha vida.

Com sete anos e meio?

Sim [risos].

Quem eram os teus ídolos?

O Senna. Quando tinha oito anos vivia-se as grandes guerras entre ele e o Prost e eu torcia pelo Senna.

Quando é que passaste dos karts para os fórmulas?

Bem mais tarde, aos 18. A passagem para os fórmulas não foi fácil, mas a gestão da carreira na altura foi muito bem feita e tive a sorte de começar num bom nível nos fórmulas.

Foi aqui, no Autódromo do Estoril, que te estreaste.

É verdade, conduzi um Fórmula 3 e tive um bom tempo. A primeira vez que andei estava chover ao ponto de, a certa altura, ninguém poder andar na pista porque os carros faziam aquaplaning e eu estava com medo que as coisas não corressem bem. Mas o teste correu pelo melhor e acabei por assinar contrato com a Red Bull Junior Team.

Como é ser um português na Academia Red Bull?

Foi um orgulho. Não estava ali por lóbi ou interesse. E o facto de termos carros iguais para todos fez levar esta ideia: ‘Pronto, agora vamos lá ver quem é o melhor’. E fui várias vezes o melhor.

Mas os carros eram mesmo iguais para todos?

Era tudo igual. Mas... Lembro-me que quando entrei para a Red Bull Academy foi para substituir um piloto e percebi que o meu colega de equipa tinha um carro que... enfim, andava mais do que o meu. É difícil ter motores iguais, é verdade, porque há sempre um que é mais potente que o outro. Eu era o portuguesinho e tal, mas na segunda corrida comecei a dizer ‘o motor dele é melhor do que o meu’. Os engenheiros responderam-me ‘tu queixas-te, queixas-te, mas ficas à frente do teu colega’. E eu repliquei ‘então imaginem o que faria eu se tivesse o motor dele’. O facto é que, mais tarde, deram-me esse motor para a época seguinte. E ganhei o campeonato.

Apanhaste muitos pilotos que agora andam na berra.

Uau, imensos. O Vettel, que toda a gente conhece. O Sebastian Buemi, que também esteve na Fórmula 1 e agora está no campeonato de resistência como eu. O Bruno Senna [sobrinho do Senna] também. Partilhei um carro com ele na GP2.

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É um mundo egoísta: se eu descobrir alguma coisa, não vou dizer a ninguém

Ficaste amigo de algum?

Fazemos amigos por temporada. Porque as carreiras seguem o seu rumo, cada um faz diferentes corridas. Mas o mais engraçado é, por exemplo, encontrarmo-nos cinco anos depois e percebermos em que ponto está da nossa vida.

Nikki Lauda disse que para ganhar na Fórmula 1 tens de ser sacana. É verdade?

O que ele quis dizer – e é verdade – é que se formos bonzinhos e dermos aquilo que temos e sabemos ao nosso colega, ele vai aproveitar para ficar em situação de vantagem. É um mundo egoísta: se eu descobrir alguma coisa, não vou dizer a ninguém porque é como se fosse uma arma que tenho.

Alguém usou manobras sujas contra ti?

Não encaro nada como manobra suja, mas como um trunfo. Talvez o adversário saiba mais sobre a pista, tenha mais experiência, seja mais rápido. Procuro aprender e digo ‘para a próxima já não me apanhas’.

E a tecnologia?

É uma ajuda dentro de pista, porque temos um carro sofisticado. Mas também é contra o piloto, porque ficamos tão dependentes que não podemos dar os nossos pozinhos perlimpimpim. Por exemplo, temos um limite de consumo de combustível por volta e nós até conseguíamos ser mais rápidos, mas não podemos por causa desse limite. Temos de controlar, mas é igual para todos.

Estiveste quase a dar o salto para a Fórmula 1…

Estive, mas é preciso que muitas coisas estejam alinhadas: bons resultados, que eu tinha, e estar no sítio certo à altura certa. Os astros não se alinharam.

Foi por causa do dinheiro?

Também. Cada vez mais as equipas pequenas precisam de dinheiro para evoluir os seus carros durante a temporada. Os grandes construtores podem fazê-lo de corrida a corrida, enquanto os da cauda do pelotão só o conseguem fazer de oito em oito provas. A diferença é brutal.

Quando é que começaste a ser pago para correr?

Tive patrocínios muito cedo para cobrir o orçamento anual que precisava para correr. O que faltava era coberto pelo meu pai - era o ‘paitrocínio’, como se costuma dizer. Em 2003, quando fui para Itália, aos 17 anos, o patamar já era muito superior. Ia fazer um campeonato da Europa e um campeonato do mundo, num total de 12 a 13 corridas, e era muito exigente. Aí tive que entrar num construtor ou não ia conseguir arranjar patrocínios para assegurar o encargo anual. A CRG [marca italiana de karting] convidou-me para ser piloto oficial devido aos bons resultados que tinha tido anteriormente.

Os teus pais suspiraram de alívio.

Sim, mas não foi nada fácil, nem para eles, nem para mim.

Nunca te arrependeste?

Não, nem os meus pais. Acho que foi uma aposta ganha.

Durante as filmagens para o Expresso, Filipe também mostrou habilidade para lidar com contratempos. A determinada altura, a câmara colocada dentro do carro soltou-se, mas o piloto não se atrapalhou: não só a apanhou de imediato como continuou a conduzir, descontraído, com a câmara na mão

Entretanto, correste na Corrida dos Campeões contra o Vettel e o Schumacher, por exemplo, e ganhaste. Que tal?

Foi fantástico. O primeiro dia correu pessimamente, fiquei com os pés na terra, e pensei que se calhar aquilo não era para mim. Optei por dar o meu melhor e por me divertir, que foi sempre o meu lema quando comecei a andar de kart. Resultou muito bem e ganhei.

Como foram a reações, cumprimentaram-te? Quiseram saber quem era o português que tinha ganho aos melhores do mundo?

Deram-me os parabéns. No que toca ao Vettel, que tinha acabado de ser campeão do mundo do Fórmula 1, eu não o encarava assim - tínhamos corrido nos karts e tínhamos voltado a encontrar-nos numa competição com carros iguais.

Ele lembrava-se de ti?

Sim, vagamente, e lembrava-se das corridas. Foi engraçado.

E o Schumacher?

Eu não corri contra ele. Ele esteve noutra semifinal em que perdeu contra o Vettel, mas veio dar-me os parabéns. E houve zunzuns sobre quem era aquele português com patrocínios no fato e que ganhou. Senti bastante respeito de todos.

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Considero-me bem pago, um privilegiado

É muito diferente conduzir um fórmula e um protótipo (Audi R18 e-Tron Quattro), como o que vais conduzir em Le Mans?

É muito diferente quando passamos dos fórmulas para os carros de turismo: deixamos de ver a rodas e não sabemos calcular as dimensões do carro para metermos a roda naquela linha branca, que é muito importante e determina aqueles milésimos que podem fazer a diferença. Foi estranho no início, mas é uma questão de hábito.

Como é que estás a treinar para uma prova de 24 horas em que não se dorme?

Tento não ter horários.

És bem pago?

Sou bem pago. Considero-me bem pago, um privilegiado.

Quanto ganhas?

É segredo. Não me falta nada, mas claro que não tenho dinheiro suficiente para ter um jato privado como muitos pilotos na Fórmula 1.