Expresso

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SÃO PAULO

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Fomos à Favela do Moinho ver o Brasil-Croácia

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A favela está para lá da linha do comboio, no centro de São Paulo, paredes meias com arranha-céus.

\n - Portuga, quantas vezes vai poder dizer que viu a abertura do Mundial do Brasil numa favela desta cidade?
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Uma!

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REPORTAGEM PEDRO CANDEIAS, enviado ao Mundial do Brasil

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A Favela do Moinho já foi uma das mais perigosas de São Paulo. Deixou de o ser - pelo menos hoje não é. O Comité Popular da Copa, um dos movimentos de protesto, organizou uma festinha neste lugar. Os elementos do grupo dizem que não estão contra a Copa porque o futebol é arte e a arte é uma forma de expressão livre. Estão revoltados porque foram agredidos pela polícia na manifestação horas antes; os locais não lhes dão a importância que os manifestantes julgam ter.

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São 15h00, o Brasil-Croácia é só às 17h00, mas agora joga-se a peladinha “na quadra”. Ao estilo roda-bota-fora, os jogadores vão-se sucedendo exceto o Tôni, guarda-redes vestido com a camisola do Ronaldo (do português) e que defende como Casillas. O terreno é terra sobre pedra e ele atira-se sobre ela como Iker na relva mais fofa do Santiago Bernabéu.

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- Não deixa ele sozinho contra mim, pôrra! Fecha, pô, fecha! Fecha filha da p…!

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E sorri. O Tôni gosta de ser provocador. Talvez esteja a dar espetáculo para a plateia. Ele sabe que estão ali jornalistas naquele lado da favela onde tudo parece arrumadinho como num cenário. Há uma carruagem pintada com a frase “o seu lixo é o meu luxo”; pinos de bowling com a cara de Ronaldo (Fenómeno), Blatter (FIFA), Ricardo Teixeira (Federação Brasileira) e do jornalista Galvão Bueno, que anda pelo Mundial com um guarda-costas particular; um macaco de peluche com uma caricatura de Ronaldo na cabeça.

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DEITA ABAIXO Há pinos de bowling imprevistos algures na favela - Blatter está particularmente chamativo. Mais adiante há uma carruagem pintada com a frase “o seu lixo é o meu luxo”

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O lado genuíno está nos moradores e nos sítios onde eles moram: casas rudimentares feitas de madeira que se atropelam, nunca se percebendo onde começa uma e acaba a outra, com duas ou três parabólicas penduradas por fios nos parapeitos carunchosos; adolescentes de olhos esgazeados da maconha e do álcool; adultos de tronco nu exibindo tatuagens e cicatrizes profundas, com os rostos gastos de quem já viu o que não devia e a desafiar os mais novos, enfeitiçados pelos feitos de coragem dos mais velhos, a acompanhá-los na próxima aventura; velhos sem dentes a cambalear rua abaixo; senhoras com tops e calções justos de mais para o peso que transportam; miúdos despidos e sujos com penteados à Neymar; meninas de unhas pintadas e de cabelos desgrenhados com camisolas do Neymar; cães com o pelo coçado e que se coçam adormecidos junto à porta. Apesar da maquilhagem de hoje, a Favela do Moinho não deixa de ser uma favela. Um lugar pobre e emocionalmente instável, em que os que não foram incluídos no ‘programinha’ não se esforçam por manter a charada.

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- Quero é que se f…

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Puxam-me uma das pernas das calças.

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Também há o lado bom e inocente da Favela do Moinho.

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- Oi, moço. Cê vai comer um churrasco com a gente? ‘Tá quase na hora da Copa.

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Subo as escadas para entrar uma divisão com chão de mármore e telhado de zinco. Lá dentro está uma tela e um projetor ligado a uma televisão sintonizada na Globo. Neymar está a cantar o hino e os favelados em silêncio. Há bolo de chocolate, de amêndoa, Fanta, Coca-Cola, cerveja Skol, frango e porco grelhado, batata frita de pacote e pão. Sento-me no chão porque a sala está cheia. Começa o espetáculo.

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- Passa a bola!

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- Fecha!

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- Senta cara! Deixa o Neymar pô! Senta! Não consigo assistir ao jogo pôrra!

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Os golos e as repetições dos mesmos são festejados da mesma forma, com uma paixão quase histérica e totalmente histriónica

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Os miúdos deslizam pelo pavimento com as ruidosas matracas a dar encontrões e a pedir desculpa com sorriso malandro, as miúdas berram nos lances de perigo, e cada alminha cá dentro parece ter uma corneta na mão. A festa contagia mesmo os mais céticos que veem no futebol a origem do Mal.

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- Está a torcer pela Croácia ou pelo Brasil?

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Lá atrás, está um brasileiro manifestante com a camisola croata vestida e que festejou o autogolo de Marcelo. Ouviu das boas. Ao intervalo está 1-1 porque o Neymar empatou num remate que ele assumiria ter-lhe saído tão mal, tão mal, que correu bem. No final, ficará 3-1, porque o Neymar marcou um penálti e o Oscar (aqui diz-se Oscár) fechou as contas. Os golos e as repetições dos mesmos são festejados da mesma forma, com uma paixão quase histérica e totalmente histriónica. Acaba o jogo e lá em baixo há uma quadrilha: os pares mais apaixonados e quem ficou de fora da sala vai saindo das suas casas para se juntar ao bailarico. Todos dançam ao som de música popular: rodam, fazem piruetas, têm pés rápidos.

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Tal como Neymar.

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