Antes pelo contrário
Daniel Oliveiradanieloliveira.lx@gmail.com
Centeno, demasiado importante para cair
Quem verifique o que Mário Centeno e Mourinho Félix foram dizendo publicamente perceberá que, tecnicamente, nunca mentiram. Tiveram sempre o cuidado de dizer apenas que não tinham assinado qualquer acordo com António Domingues, que não havia um acordo escrito. Na realidade, fiquei com a certeza que havia um compromisso quando me apercebi na insistência em referir um “documento escrito”. Deste ponto de vista, não há espaço para a demissão de um ministro e muito menos, como chegou a sugerir o CDS, para qualquer ação criminal por perjúrio.
Quando questionado sobre a existência de um acordo: "não existe nenhum documento escrito" ou "Não assinei nenhum acordo, nenhum acordo aludia a essa questão (...) Este foi um entendimento que se baseou na confiança, pelo que não foi preciso nenhum acordo escrito". E Centeno disse isto: "O compromisso do Governo é que a CGD se manterá um banco público, um banco capitalizado de maneira a desempenhar todo o papel no sistema financeiro, e um banco competitivo". Nem Centeno, nem Mourinho Félix disseram alguma vez, de forma clara, que não havia um compromisso. Disseram sempre que não havia um compromisso escrito, que de facto nunca apareceu.
Isto quer dizer que estão inocentes? Não, porque a meia-verdade ou a verdade escondida sugeria uma mentira. Centeno não mentiu mas enganou. Parece uma questão de semântica e até talvez seja. Mas é a diferença de haver ou não haver perjúrio numa comissão de inquérito. Mas há espaço para o julgamento ético de quem, depois de Centeno ter assumido um compromisso inaceitável recusar-se a assumir as suas consequências políticas.
Seja como for, Mário Centeno nunca poderia cair por causa disto. Poderá parecer aos mais incautos que os ministros caem por causa deste tipo de coisas. Mas eles só caem por causa destas coisas quando não há outras que os segurem. E a Centeno seguram duas: os resultados que conseguiu – que desmentem todas as previsões das sacrossantas instituições internacionais –, e o facto de ser um ministro demasiado importante e com mais facilidade de diálogo com as instituições europeias num governo que tem uma arquitetura fraca e que Bruxelas vê com maus olhos. Fala a mesma linguagem que e os burocratas de Bruxelas. Não é bom sinal, mas é o que é. E a democracia está num ponto tão baixo em que os nossos ministros têm de ser do agrado de burocratas que ninguém elegeu.
Em resumo, Centeno é demasiado importante para cair. E não havendo nada que, tecnicamente, o obrigue à demissão, não cairá. Foi por saber tudo isto que Marcelo Rebelo de Sousa se atravessou pelo ministro das Finanças. Não faz sentido deixar fragilizar o ministro com a principal pasta do governo se ele por lá vai continuar.
Será tudo isto cinismo em demasia? Não mais do que aquele que leva o partido que foi liderado pelo irrevogável Portas a mostrar-se tão chocado com a mentira. Não mais do que Passos Coelho tentar esconder nesta novela a sua vontade antiga de privatizar a CGD e o seu laxismo com todos os problemas que a banca nacional foi acumulando. O comportamento de Centeno só pode ser inaceitável para quem espere deste governo mais rigor ético do que no anterior. Cada um responderá até que ponto está chocado.