Chamem-me o que quiserem
Henrique Monteiro
Eleições, futebol e voto
Uma nova polémica nasceu, embora sem muita força: deve haver futebol nos domingos em que há eleições? A CNE recomenda que não e o Bloco de Esquerda lamenta que a bola se jogue nesse dia. Os restantes partidos, que têm quase tantos militantes como dirigentes do futebol (exagero meu, claro), calam-se. Carlos César diz não ver problema. Pois eu também não vejo e por um conjunto diverso de razões.
A primeira é que em muitos países as eleições se fazem em dias úteis, ou seja, em dias de trabalho – é o caso do Reino Unido e dos Estados Unidos, só para dar dois exemplos que não podem ser acusados de falta de democraticidade (nem de grande falta de participação, se compararmos com o que temos). A segunda é que cada vez mais se trabalha ao domingo, também entre nós. Não só os futebolistas; mas em todas as lojas e centros comerciais, além de em variadíssimas atividades, como transportes, Forças Armadas, turismo, forças de segurança, profissões ligadas à Saúde e outras.
O problema, pois, é cívico e não de datas (...) Se a questão é cívica, tudo o que desvie o cidadão da mesa de voto devia ser ferozmente perseguido e impedido de se realizar. Estúpido? Claro!
Portanto, o que estamos a discutir não é se algumas pessoas, como jogadores de futebol, treinadores, roupeiros, massagistas, médicos, árbitros e outros que, por o jogo se efetuar, têm de estar presente na partida, mas sim no facto de a assistência poder preferir ver futebol do que votar. O problema, pois, é cívico e não de datas, tanto mais que em qualquer caso se podem conciliar as duas atividades. O jogo mais importante, Sporting – Porto, começa às 18 horas e penso que durante a manhã, tanto no Porto como em Lisboa, como em qualquer ponto do país, se tem tempo de votar para estar muito a tempo no estádio ou plantado em frente a um televisor.
Ora, quando chegamos a este ponto, poderíamos colocar outras questões: deve haver missas? Sabem quantos milhares, dezenas ou centenas de milhares de crentes vão às diversas missas, de diversos cultos, ao domingo? E outros desportos? E centros comerciais? E casinos? E praias (caso esteja bom tempo)? Se a questão é cívica, tudo o que desvie o cidadão da mesa de voto devia ser ferozmente perseguido e impedido de se realizar. Estúpido? Claro! Mas quando se abre uma exceção nada nos impede de pedir outras.
Há também um modo de contornar o problema: fazer como na Bélgica e outros países tornando o voto obrigatório e sujeitando a multa elevada quem não o exercer. Por mim sou contra, mas parece-me melhor solução do que este choradinho cívico.
Ou – solução que prefiro e que sinceramente não entendo porque nunca mais se concretiza – tornar o voto eletrónico. Ou seja, todos poderiam votar (embora na sua freguesia e concelho ou círculo eleitoral) eletronicamente, independentemente do local em que se encontram. O número de eleitor, o número do Cartão do Cidadão e um PIN podem resolver isso. A fiscalização manter-se-á se nos locais onde hoje há urnas de voto passar a haver máquinas de voto eletrónico. Isso significa que estando em Bragança alguém pode eletronicamente votar numa freguesia de Faro, de Castelo Branco ou de Lisboa, ou seja, onde está recenseado, tendo em conta os dados acima citados.
O pior é tratar os eleitores como desgraçados que não sabem o que é o voto. Ou que têm de parar de discutir no dia anterior para refletirem. Ainda sou do tempo em que as sondagens eram proibidas um mês ou 15 dias antes das eleições para não influenciar os eleitores. E olhem o que mudou desde então – nada! O voto eletrónico, além de acelerar exponencialmente a primeira contagem de votos, é aquele que permite mais gente votar… e tornar o voto numa tarefa a exigir muito menos esforço.