A tempo e a desmodo
Henrique Raposohenrique.raposo79@gmail.com
O racismo dos escandinavos
O segredo escandinavo é o racismo do passado e do presente
Hitler deu muito jeito. Todos os países europeus fomentaram e aplicaram o antissemitismo, mas apenas um país fez um exame de consciência sobre o grande pecado do século XX: a Alemanha. Da França à Rússia, todos ajudaram direta ou indiretamente a campanha de extermínio nazi, mas apenas os alemães tiraram a peçonha do armário. Empoleirados nos largos ombros do Führer, os outros povos fugiram à autocrítica. Em 2016, o ressurgimento dos nacionalismos está a nascer neste vazio de consciência. Olhe-se por exemplo para os santificados escandinavos, que tinham enormes simpatias nazis. Era normal encontrar um nórdico simpatizante de Hitler. O grande escritor Knut Hamsun era só mais um. E, por falar em literatura, a grande vaga de policiais nórdicos da atualidade levanta o pano sobre este passado nazi e sobre o presente marcado pelo crescente nacionalismo antimuçulmano.
A próspera Dinamarca, por exemplo, já tem o partido nacionalista (Partido do Povo Dinamarquês) em segundo lugar no parlamento, revelando mais uma vez que esta vaga nacionalista nada tem que ver com economia ou crise, mas sim com identidade. Ora, é claro que existem preocupações legítimas em relação à integração dos muçulmanos, é claro que o muçulmano causa mais preocupação do que qualquer outro imigrante no contexto pós-11 de Setembro, é claro que faz sentido impor um conjunto de leis e regras àqueles que chegam, é claro que a carne de porco não pode ser banida das escolas só porque os alunos muçulmanos não a querem comer, é claro que existe um medo legítimo que resulta do choque entre a cultura machista do muçulmano e a emancipação sexual e profissional da mulher nórdica, é claro que não se pode aceitar a chantagem do politicamente correto que lança logo a acusação de “racista” a quem procura discutir estas questões. Contudo, o que se observa na Dinamarca não é uma preocupação legítima com a defesa das regras da sociedade; o que se pressente é algo mais visceral: a defesa da pureza do sangue nórdico, a recusa da miscigenação, o medo de ter olhos e tez escuros a conspurcar cabelos loiros e olhos azuis.
Em conversa com o “New York Times”, uma dinamarquesa de origem africana, Patricia Bandak, afirmou o seguinte: “para muita gente, ser dinamarquês está no sangue, logo eu nunca serei dinamarquesa aos seus olhos”. Parece-me que esta frase resume bem o ar do tempo nórdico, dos países de leste e mesmo do Brexit: mesmo que a lei consagre o direito de solo, algumas sociedades só veem como legítimo o direito de sangue. Isto não é um pormenor. Nos próximos anos ou décadas, vamos assistir na Europa a um confronto entre países do direito de solo e países do direito de sangue. Civilização ou barbárie? Nós, portugueses, estamos no lado certo. Graças a Deus, ver um português a defender a pureza de sangue é quase uma impossibilidade.