ZAHRA HAIDER

A paquistanesa que pôs um país (e não só) a debater coisas sérias: educação sexual

VIRAL Zahra Haider, jovem escritora paquistanesa residente no Canadá, falou com o Expresso sobre um texto que escreveu a propósito da repressão sexual no Paquistão. O artigo tornou-se viral no espaço de horas e espoletou um conjunto de respostas agridoce D.R.

VIRAL Zahra Haider, jovem escritora paquistanesa residente no Canadá, falou com o Expresso sobre um texto que escreveu a propósito da repressão sexual no Paquistão. O artigo tornou-se viral no espaço de horas e espoletou um conjunto de respostas agridoce D.R.

“O Paquistão é uma república islâmica com a população que vê mais pornografia no mundo. Esta afirmação transmite um aspeto particular sobre a cultura paquistanesa: estamos desesperados por sexo, mas nem pensar em fazê-lo.” É assim que Zahra Haider inicia um artigo que mexeu com o país dela e que se tornou viral no Twitter. Falámos com ela, que tem sido alvo da fúria (mas também da gratidão) de muitos paquistaneses - e não só, porque o texto tem sido debatido no mundo inteiro. “Ser indiferente aos julgamentos de pessoas com mentes fechadas e perceber que o meu mundo não gira à volta do deles ajudou-me a combater a voz estranha e preconceituosa que na minha cabeça me chamava oferecida”

TEXTO MARIANA LIMA CUNHA

Como é que se põe um país inteiro, e depois a Internet inteira, a falar sobre o mesmo assunto? Uma das receitas possíveis condensa estes ingredientes: um país religioso e conservador, uma jovem mulher que decidiu sair de lá e um assunto tabu como o sexo. Depois, é misturar tudo, servir o link no Twitter e deixar a polémica explodir.

A protagonista - que esteve entre os assuntos mais populares do Twitter durante os últimos dias e que continua a receber respostas agridoces - é Zahra Haider, uma jovem paquistanesa que aos 19 anos se mudou para o Canadá com o objetivo de iniciar naquele país os seus estudos superiores. Confrontada com as diferenças entre a mentalidade norte-americana e a paquistanesa, Zahra escreveu um artigo explosivo para a “Vice” (ler AQUI) em que explicava porque é que os paquistaneses são “um povo desesperado por sexo”.

Quem leu o artigo (por esta altura, muitos internautas fazem parte desse grupo) percebeu logo na primeira linha porque é que o texto não deixou ninguém, sobretudo nenhum paquistanês, indiferente. “O Paquistão é uma república islâmica com a população que vê mais pornografia no mundo. Esta afirmação transmite um aspeto particular sobre a cultura paquistanesa: estamos desesperados por sexo, mas nem pensar em fazê-lo”, arranca Zahra.

DISCRIMINAÇÃO Protesto pela igualdade de género no Paquistão no dia Internacional da Mulher FOTO ASIF HASSAN/AFP/Getty Images

DISCRIMINAÇÃO Protesto pela igualdade de género no Paquistão no dia Internacional da Mulher FOTO ASIF HASSAN/AFP/Getty Images

Ao Expresso, a jovem escritora e jornalista explica que o objetivo do texto era “combater a hipocrisia e o preconceito na nossa sociedade, assim como para chamar a atenção para a necessidade de termos educação sexual”. Foi por isso que Zahra decidiu revelar na “Vice” que, ao contrário do que os seus pais e a sua comunidade desejariam, teve relações sexuais com 12 rapazes antes de deixar o Paquistão, sendo uma rapariga solteira.

“Para os homens, geralmente este é um problema periférico, um incidente. Para as mulheres, é uma questão de vida ou morte”, detalha Zahra ao Expresso. Em resposta à carta aberta que o jornalista paquistanês Ali Moeen Nawazish lhe dedicou no Facebook (já com mais de três mil gostos - pode lê-la AQUI) e na qual diz que “só porque as pessoas vivem de forma diferente isso não faz delas menos livres ou felizes do que tu”, Zahra contrapõe: “Toda a gente tem direito à sua opinião, mas se de facto houvesse espaço para uma escolha livre, incidentes como este não ocorreriam com tanta frequência”. (“Este” incidente está explicado no link que Zahra nos envia a seguir: é a história de Ambreen, uma menina paquistanesa de apenas 15 anos que no início de maio foi morta e queimada por membros da sua comunidade depois de ter ajudado uma jovem vizinha a fugir com o namorado).

No artigo da “Vice”, Zahra relembra que “as punições [por ter relações sexuais antes de casar] começaram com a ditadura, ou islamização, do antigo presidente Zia-Ul-Haq, que incluiu o apedrejamento, a amputação e até o assassinato por ‘honra’ na lei paquistanesa. As queixas das raparigas que eram violadas eram ignoradas e elas iam para a prisão”, detalha, acrescentando que “a lei Sharia também pode ser culpada por muitas políticas de discriminação de género em sociedades muçulmanas”.

ZAHRA HEIDER “Jovens paquistaneses tomam overdoses de métodos contracetivos” por não terem educação sexual FOTO D.R.

ZAHRA HEIDER “Jovens paquistaneses tomam overdoses de métodos contracetivos” por não terem educação sexual FOTO D.R.

Um dos aspectos mais discutidos sobre o artigo, que se tornou viral numa questão de horas, é o facto de o relato de Zahra corresponder à história de uma rapariga de classe alta, com possibilidades económicas (a jovem relata episódios em que se escapuliu para hóteis caros ou carros com vidros fumados para ter relações sexuais às escondidas), o que poderá não corresponder à experiência da maior parte dos jovens paquistaneses. Mas Zahra rebate esse argumento: “Muitas pessoas que conheço têm experiências muito semelhantes, sendo que nem todas pertencem à minha classe socio-económica, e todas se sentiram envergonhadas e culpadas por assumirem a sua sexualidade. É hipócrita negar isto, mas muitas pessoas são muito ligadas às suas famílias e comunidades e sentem que o sacrifício não vale a pena”.

O resultado desta repressão sexual, explica a jovem escritora, é que os jovens paquistaneses “tomam overdoses de métodos contracetivos” por não terem educação sexual e as mulheres “são forçadas a fazer abortos clandestinos com recurso a métodos dolorosos e perigosos”. Na internet, há muitas respostas hostis que se focam na revelação de Zahra sobre o número de parceiros sexuais que teve antes de chegar ao Canadá e pessoas que a acusam de “retratar o Paquistão como um país sedento por sexo, quando esse é o seu caso”.

As mulheres, assegura Zahra, “concordando ou não”, apoiam-na: “Aplaudem-me pela minha coragem, porque ser e mulher e falar de um tabu como o sexo no Paquistão é algo sem precedentes”.

Mas alguns utilizadores - e utilizadoras - insultam a jovem, estendo as críticas à sua mãe, que dizem “exibir a sua sexualidade” com fotografias insinuantes nas redes sociais enquanto “a filha fala de repressão”.

Já passaram alguns dias desde que a polémica eclodiu (o texto foi originalmente publicado na “Vice” a 27 de abril), mas o Twitter ainda não parou de falar da história - para alguns de coragem, para outros de exibicionismo - de Zahra. A jovem assegura que não está preocupada. “Ser indiferente aos julgamentos de pessoas com mentes fechadas e perceber que o meu mundo não gira à volta do deles ajudou-me a combater a voz estranha e preconceituosa que na minha cabeça me chamava oferecida”, diz. “Tudo o que queria ser e agora sou é uma mulher confiante na casa dos 20 que assume a sua sexualidade e não quer saber do que os seus conterrâneos pensam e dizem sobre ela.”