Henrique Monteiro

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Henrique Monteiro

De 15 a 22 de Nissan e o coelho da Páscoa

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Hoje, para qualquer judeu, é dia 15 do mês de Nissan. Isso quer dizer que, de acordo com o complexo calendário judaico, se iniciaram ontem pela tarde as festividades da Páscoa, palavra que tem origem no hebraico Pessach e que significa passar por alto, já veremos porquê. Foi para celebrar esta festividade que Jesus Cristo foi para Jerusalém, pois a Pessach constituía uma das três festas de peregrinação ao templo da cidade. Jesus chegou no Domingo anterior e foi recebido em júbilo por uma multidão que gritava Hossana (ou salvador, ou dá-nos a salvação). Jesus ia montado num jumento como previam as escrituras e o povo acenava com ramos, de onde vem o Domingo de Ramos (tragicamente assinalado antes de ontem em Alexandria).

Em Jerusalém, como sabem os cristãos, tomou a última ceia (o sêder judaico?), foi julgado, padeceu e morreu na cruz nessa mesma semana. Faleceu na sexta-feira (atual sexta-feira Santa) e ressuscitou ao terceiro dia (atual Domingo de Páscoa). Para os judeus a celebração continua – apenas acabará a 22 de Nissan, de hoje a oito dias. Para os ortodoxos, para quem a Páscoa nem sempre calha no mesmo domingo do que para os católicos, este ano coincidem as datas.

Esta noite, os judeus fora de Israel tomarão o segundo sêder, ou a segunda ceia ritual (algo que os judeus em Israel só estão obrigados a fazer uma vez). E contarão a história milenar da passagem por alto do anjo da morte, que matou todos os primogénitos do Egito que não fossem judeus e, por isso, não tinham os umbrais das portas salpicados com sangue de cordeiro (o cordeiro pascal). Esta foi a última das 10 pragas mandadas por Jeová e a que possibilitou a Moisés levar a sua tribo para terra prometida. Diz a lenda que tal se passou há 3500 anos, quando o Mar Vermelho se abriu para a passagem dos judeus (curiosamente há quem relacione esta abertura do mar com o vulcão que destruiu, ou deixou como está, a ilha grega de Santorini, que terá provocado um terramoto cujo refluxo das águas ‘abriu’ o Mar Vermelho).

De comum há a vida e a morte, que são as constantes e as balizas da vida humana. E há a primavera. Há, pois, a necessidade de celebrar a vida relacionando-a com a morte

Mais a Norte e a Ocidente, onde ainda ninguém sabia destes acontecimentos, a deusa Astarte, filha de Baal, estava no auge da sua glória. Fenícia de origem, espalhou-se pelo Mediterrâneo com os marinheiros daquela antiga potência marítima. Na Grécia chamaram-lhe Afrodite e em Roma Vénus. Mas mais importante, Astarte está na origem das palavras germânicas para a designação popular de Páscoa – Easter (inglês) ou Ostern (alemão). Do seu festival de primavera fazia parte esconder ovos (símbolo da revivificação) e oferecer coelhos (símbolo da reprodução). Há quem julgue que estas tradições tenham começado na Renânia e na Alsácia (ou seja em zonas que constituem hoje a fronteira da Alemanha com a França).

O que há de comum em tudo isto? A resposta pode parecer tola, mas de comum há a vida e a morte, que são as constantes e as balizas da vida humana. E há a primavera (mesmo no judaísmo está escrito que a Páscoa tem de ser na primavera, pelo que há acertos quando tal não sucede com base no calendário lunar que aplicam). Há, pois, a necessidade de celebrar a vida relacionando-a com a morte. Como o grão de trigo que ao morrer renasce, também sendo o destino do homem a morte, ela pode ser aparente. Subsiste a esperança da ressurreição, como na Primavera.

A Páscoa que para uns começou Domingo, para outros ontem e para outros ainda depois de amanhã, é comum a toda a nossa civilização. Não celebra a morte, como dizem os menos atentos a apontar Cristo crucificado, celebra a vida.

A salvação. Ou o Hossana!