O “fim” do pescado

Há dois meses que Portugal não é autossuficiente em pescado. E agora? “Temos de pensar em alimentação com espécies como algas e alforrecas”

Comissão Europeia indica que 41% das populações de pescado avaliadas no Atlântico são alvo de sobrepesca Foto José Carlos Carvalho

Comissão Europeia indica que 41% das populações de pescado avaliadas no Atlântico são alvo de sobrepesca Foto José Carlos Carvalho

A sobre-exploração dos mares europeus levou a que esta segunda-feira se marcasse simbolicamente o dia em que deixou de haver peixe nos mares europeus. Em entrevista ao Expresso, a bióloga Rita Sá, da WWF (World Wide Fund For Nature), explica que a escassez de pescado não tem para já interferência no preço mas aconselha a diversificar o que consumimos

Texto Carla Tomás

Há dois meses que Portugal deixou de ser autossuficiente em pescado. Já a Europa atingiu o dia “D” esta segunda-feira. Tal significa que se só consumíssemos o que pescamos nas nossas águas, não teríamos peixe para mais de meia dúzia de meses sem recurso a importações de países de outros continentes. O alerta para esta situação — que se deve à sobre-exploração dos mares europeus — foi dado esta segunda-feira pela WWF Portugal, com base no último relatório da New Economics Foundation (NEF - acrónimo inglês da Fundação para a Nova Economia). Ambas pretendem chamar a atenção para os riscos da sobrepesca e a necessidade de se realizarem capturas mais sustentáveis.

O que pretendem com este alerta?

Pretendemos alertar para o facto de ser necessário termos a consciência de que precisamos de ter um consumo mais sustentável de peixe, quer em relação ao que vem das nossas águas, quer ao que vem de outros países, maioritariamente em vias de desenvolvimento. Para mantermos essas importações temos de certificá-las e é preciso que as populações desses países vejam respeitados os seus direitos humanos. Por outro lado, queremos alertar para a necessidade de se diversificar os recursos que consumimos.

Quando fala em diversificar, quais são as alternativas?

Os portugueses consomem sobretudo salmão, atum e bacalhau. São as principais espécies de peixe da nossa dieta e perdemos o hábito de comer outras espécies menos comerciais, sobretudo nas cidades. Junto das comunidades piscatórias comem-se outras espécies sazonalmente e há chefes que começam a utilizar espécies menos comerciais nos seus pratos. Por exemplo, no Algarve come-se liça, uma tainha que para mim é mais saborosa que o robalo.

Porque é que essas espécies desapareceram do menu dos portugueses?

Porque temos todos uma vida muito acelerada e queremos fazer refeições rápidas e vamos ao supermercado e compramos peixe congelado, que tem uma variedade menor.

Rita Sá, doutorada em Ciências do Mar, trabalha há mais de 15 anos em Oceanos e Pescas, com especialização em processos participativos, sendo responsável pelos projetos sobre cogestão em pescas, Consumo Sustentável de Pescado e Áreas Marinhas Protegidas da WWF Foto Marta Barata/WWF

Rita Sá, doutorada em Ciências do Mar, trabalha há mais de 15 anos em Oceanos e Pescas, com especialização em processos participativos, sendo responsável pelos projetos sobre cogestão em pescas, Consumo Sustentável de Pescado e Áreas Marinhas Protegidas da WWF Foto Marta Barata/WWF

É preciso levar a indústria a diversificar a oferta?

Sim, mas para isso também é preciso sensibilizarmos os consumidores a fazerem pressão junto da indústria, das empresas e dos governos para que forneçam produtos mais variados. É muito importante variarmos as espécies que comemos para não colocarmos a pressão sempre sobre as mesmas populações de pescado.

Há vários anos que a NEF e outras organizações alertam para a necessidade de pescas e consumos mais sustentáveis. O que têm feito os sucessivos Governos?

Esses alertas têm sobretudo servido para colocar o assunto em cima da mesa. Nos últimos anos, os sucessivos governos têm dado pequenos passos e mostrado ser sensíveis ao problema, mas gostaríamos que fossem mais além. Um exemplo disso é a forma como o Governo decidiu a quota da sardinha… mas ainda estamos longe de estar alinhados.

A escassez de peixe nos nossos mares pode significar um aumento de preços?

A relação não é tão linear. As pessoas esquecem que quando consumimos peixe importado estamos a pagar vários preços. Por vezes até parece que o peixe é mais barato, mas esquecemos o preço ambiental da pegada ecológica.

Portugal é o principal consumidor europeu de peixe. Cada português come em média 55,3 kg de pescado por ano, seguido de Espanha (46,2 kg), Lituânia (44,7 kg), França (34,4 kg) e Suécia (33,2 kg). Em média, cada cidadão europeu consome 22,7 kg por ano FOTO José Carlos Carvalho

Portugal é o principal consumidor europeu de peixe. Cada português come em média 55,3 kg de pescado por ano, seguido de Espanha (46,2 kg), Lituânia (44,7 kg), França (34,4 kg) e Suécia (33,2 kg). Em média, cada cidadão europeu consome 22,7 kg por ano FOTO José Carlos Carvalho

Quais são as alternativas de futuro?

A aquacultura pode ser uma atividade complementar para assegurar as nossas necessidades de consumo. Mas corremos o risco de nos tornarmos fornecedores de peixe de aquacultura de pouca qualidade se apostarmos só na produção intensiva, como fazem a Grécia e a Turquia. Temos de apostar na produção de qualidade para o comércio interno e externo. Já há chefes que dizem não ver diferença entre a corvina de mar e a de aquacultura. Também teremos de pensar em explorar outras espécies, como as algas e as alforrecas, ambas altamente nutritivas para a nossa alimentação. E quando vamos ao mercado comprar carapau, temos de saber e poder diferenciar o que foi capturado pela arte do cerco e o que foi por arrasto, porque o do cerco é mais sustentável e de melhor qualidade, sem que exista diferença de preço.