JUSTIÇA

Falsa seita de Palmela suspeita de violar mais de dez menores

PEDOFILIA Vivenda em Brejos do Assa, onde terão sido cometidos centenas de crimes contra crianças e menores durante cerca de um ano FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO

PEDOFILIA Vivenda em Brejos do Assa, onde terão sido cometidos centenas de crimes contra crianças e menores durante cerca de um ano FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO

Os oito suspeitos da Verdade Celestial são suspeitos de terem praticado perto de 500 crimes de abusos sexuais e pornografia com menores. O julgamento começou esta terça-feira em Setúbal

TEXTO HUGO FRANCO

Nos últimos meses, mais de dez crianças foram avaliadas física e psicologicamente pela equipa que investiga os crimes sexuais alegadamente praticados numa vivenda em Brejos do Assa, pequena povoação de Palmela (distrito de Setúbal). Os suspeitos começaram a ser julgados esta terça-feira, pelo tribunal de Setúbal.

O grupo de cinco homens e três mulheres fazia parte de uma falsa seita religiosa, a Verdade Celestial, cujo líder, Rui Pedro, terá abusado sexualmente de várias crianças com menos de 14 anos e até de um dos filhos. O Ministério Público acusa-o de 53 crimes de abuso sexual de crianças e menores e 140 de pornografia de menores.

Segundo os procuradores, a mulher, Ana Santos, tinha conhecimento dos abusos cometidos do marido na vivenda de Brejos do Assa. E foi também acusada de um crime de abuso sexual ao filho mais velho, que hoje tem quase 10 anos.

No total, os membros da Verdade Celestial são acusados de quase 500 crimes de natureza sexual com menores e de lenocínio agravado.

Filhos dos suspeitos foram as principais vítimas

Uma fonte do processo revela que durante as perícias, os investigadores aperceberam-se que além das marcas físicas causadas pelos abusos, “os filhos de dois dos arguidos [Rui Pedro e David Martins] mostravam particular sofrimento psicológico”.

O caso tem abalado os pais das crianças, que confiaram em Rui Pedro, que dava consultas de psicologia grátis ou por 5 euros (apesar de não estar inscrito na Ordem dos Psicólogos), dava explicações e organizava atividades de tempos livres no quintal da vivenda de Brejos do Assa. “As famílias das vítimas manifestam falta de esclarecimentos e apoio”, assegura a mesma fonte.

Algumas delas vivam na povoação, mas havia familiares que se deslocavam de carro de propósito até à vivenda, deixando os filhos aos cuidados do ‘Mestre dos Espíritos’, epíteto pelo qual Rui Pedro gostava de ser tratado.

A seita foi uma invenção de Rui Pedro, que conseguiu convencer adultos e crianças de que era o representante de Deus na Terra. O suspeito terá aplicado alguns ensinamentos religiosos dos pais, que fazem parte de uma conhecida congregação religiosa em Lisboa, e adaptou-os ao grupo em Palmela desde o início de 2014 e o verão do ano seguinte.

O principal arguido justificou os abusos com a “purificação dos menores”

Era habitual ter conversas com as vítimas sobre “espíritos” e “energias”, em que dizia “combater os demónios” e que para isso usava a energia dos “mais pequeninos”: era o “purificador”, justificando os atos sexuais para livrar “as crianças do mal”. Este é só um dos casos descritos no despacho de acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Setúbal, que está repleto de conversas de cariz pedófilo entre os suspeitos.

Apesar de os crimes terem ocorrido numa zona rodeada por outras habitações, os residentes nos Brejos do Assa nunca se terão apercebido do que realmente se passava na quinta, uma vez que as vedações altas ajudavam a esconder o que se passava no interior daquele espaço. “Ele passeava com a mulher e os filhos, iam ao café ou à mercearia mas não iam muito além dos cumprimentos formais”, lembra-se um morador.

O caso chegou ao conhecimento da Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal devido a uma denúncia de um dos membros, André Marques, que terá sido maltratado pelo líder da alegada seita quando manifestou intenção de abandonar o local. André Marques seria no entanto também acusado pelo Ministério Público de 24 crimes de natureza sexual.

Poucos dias depois, em junho de 2015, a PJ efetuou uma operação policial que culminou com a detenção do grupo de oito pessoas. Na mesma operação, a polícia apreendeu computadores, colchões, vídeos, fotografias e até documentos onde constam a hierarquia da Verdade Celestial.