Opinião
Ricardo Costarcosta@expresso.impresa.pt
Os Jerónimos, trinta e dois anos depois
Não foi Mário Soares quem fez a escolha do local das cerimónias de Estado desta manhã. Mas a decisão de transformar os claustros do Mosteiro dos Jerónimos no centro de todo o cerimonial foi incrivelmente acertada. O local é célebre por muitas razões, uma das quais a assinatura do tratado de adesão à CEE. Esse momento, muito bem documentado, foi, em simultâneo, o do fim do consumar de um sonho político - o da entrada na comunidade europeia - e o da sua despedida como líder partidário e chefe de Governo, substituído por um inesperado Cavaco Silva, que havia de ganhar cinco eleições, quatro delas com maioria absoluta.
Esse momento, da assinatura ao lado de Jaime Gama e Rui Machete, com a entrada em simultâneo de Portugal e Espanha na CEE, fechava a mais radical das suas opções políticas, a de que a democracia portuguesa só sobreviveria com o fim do Império e a “entrada” na Europa. A opção tinha sido tomada na ressaca da revolução, numa altura em que era tudo menos consensual que Portugal devesse entrar na comunidade.
A entrada na CEE deveu-se a muita gente, vários governos e equipas negociadoras. Mas sem o seu impulso e visão iniciais tal não teria acontecido tão cedo; e sem a sua determinação o acordo nunca teria sido assinado naquele momento. Um momento de vitória pela opção europeia e de derrota política, com a falência do Bloco Central e um certo isolamento político que não augurava nada de bom.
Cercado por Cavaco Silva e pela candidatura de Freitas do Amaral de um lado e pelo PRD e PCP, com Zenha, por outro, e ainda por Pintasilgo, era o mais fraco dos candidatos presidenciais. Viu o PS ser arrasado nas urnas, remetido para pouco mais de 20% na liderança de Almeida Santos, e o PRD chegar muito perto, seguiu em frente e, com enorme surpresa, venceu a mais apertada e surpreendente campanha eleitoral.
Os Jerónimos, trinta e dois anos depois, simbolizaram isso muito bem. A despedida de um político que teve imensas vitórias e muitas derrotas, que acertou e falhou, que foi coerente e contraditório, visionário e rendido à realpolitik. Já me repeti vezes sem conta e espero que seja a última vez que o diga, mas o maior segredo de Soares foi ser espantosamente imperfeito, foi não ter medo de perder, de se associar a inimigos, de se reconciliar com amigos, de acreditar e seguir em frente, sozinho ou acompanhado. E nada simboliza melhor isso do que os Jerónimos em 1985.