Antes pelo contrário
Daniel Oliveiradanieloliveira.lx@gmail.com
Para acabar de vez com a praxe
Durante anos de laxismo, autoridades académicas e políticas permitiram a lei da selva no início de cada ano académico. Que grupos organizados impusessem aos estabelecimentos de ensino superior falsas tradições iniciáticas, em que a boçalidade, o culto da obediência e a promoção das figuras mais imbecis de cada faculdade ditaram uma cultura que contraria o que deveriam ser os princípios da Academia.
A coisa foi-se aprimorando e, em universidades sem tradição de coisa alguma, formaram-se comissões de praxe que, em alguns casos, tratam de negócios de forma obscura, sem qualquer escrutínio público e a roçar os limites da lei. Com a cumplicidade de pessoal docente, de uns poucos alunos resistentes mas passivos e, muito mais grave, dos reitores, a praxe tornou-se num sinal de distinção das instituições Académicas.
Já AQUI escrevi o que penso sobre a praxe: ela é um ritual de integração por via da humilhação consentida, um momento simbólico de aceitação inquestionada do abuso de poder. Ela representa o conformismo o que a Universidade deveria combater. Ela esmaga a capacidade de pensar, resistir e questionar a autoridade que a Universidade deveria promover. Ela estreia a entrada de novos estudantes num espaço onde deveriam aspirar à elevação cultural rebaixando-os à mais abjeta imbecilidade. A praxe devia ser proibida dentro da Academia e combatida fora dela (defendo a liberdade individual, da aceitação do burquíni à aceitação da praxe). A praxe representa tudo o que os espíritos livres devem recusar. Não pode ser um símbolo de promoção da Academia.
Pela primeira vez, um governo parece estar disposto a agir. Se não pode, graças à autonomia universitária, tomar medidas diretas, pode e deve dar sinais, promover o debate e pressionar os poderes da Academia a agirem. Depois de um abaixo-assinado de cem cidadãos contra as praxes, o ministro da Ciência e Ensino Superior tornou pública a sua posição contra aquela que considera ser "uma das maiores pragas que temos de combater" e quer que as instituições de ensino superior deixem de reconhecer as comissões de praxe. Numa carta aberta enviada no final da semana passada às universidades e politécnicos, Manuel Heitor defendeu programas de recepção aos novos alunos centrados na cultura e na ciência. Defende que as universidades sejam universidades e não campos de abusos e autoritarismo de uns alunos sobre outros.
Infelizmente, dos reitores vem apenas a mensagem tímida de que se combaterão os abusos, não percebendo que a praxe é, ela própria, uma pedagogia para o abuso. Que o problema da praxe não é aquilo que a lei já pode combater. Disso tratam os tribunais. O problema da praxe é a normalização da obediência cega e a valorização do autoritarismo boçal. Para a combater precisamos das estruturas que dirigem a Academia. Isto, claro, se as comissões de praxes não mandarem também nelas.